Crítica // Assassinos da lua das flores #####
Numa espécie de liquidificador cinematográfico, o mais novo filme de Martin Scorsese traz ingredientes do olhar contemplativo de Terrence Malick (O novo mundo), a visão ampla de saga composta por George Stevens, em Assim caminha a humanidade, e a grandiosidade de Paul Thomas Anderson, conferida em Sangue negro. Dito isso, vale a ênfase que tudo resulta no mais pleno cinema que leva a grife de Scorsese: pesam na trama de Assassinos da lua das flores, a verve meditativa de Silêncio e Kundun, a sanha que move O irlandês e o oportunismo pontuado em O Lobo de Wall Street. O que abrilhanta o filme, extraído de uma obra literária de David Grann, é a perturbadora narrativa, talhada em roteiro de Scorsese e do experiente Eric Roth, este último, nada menos do que o vencedor do Oscar pela adaptação de Forrest Gump: O contador de histórias e ainda o criador de roteiros de diretores do calibre de Denis Villeneuve, David Fincher, Steven Spielberg e Michael Mann.
Ao lado das perfurações de petróleo dominadas por nativos da nação americana osage, está a fonte de ódio destilada na trama. A prosperidade dos indígenas é paralela à ganância dos brancos, daí, despontarem elementos de barganha, negociatas, sentenças de morte e personagens dissimulados, determinados ou mesmo autoritários. Planos malignos acompanham a atitude de um dos protagonistas: o magnata, de alcunha "Rei", William Hale (Robert De Niro). Tal qual outros brancos que rastejam, diante dos enriquecidos osage (embalados por grana e agouros), Hale tem olhos compridos nas concessões e em apólices de seguros geradas garantidas por indígenas.
Na conjuntura, o espólio dos detentores de valorizados carros (hoje em dia, vintage) Buick e Pierce-Arrow, entre outras excentricidades, está na mira do sobrinho do Rei: Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio). Ele está pronto para, em meio à Grande Depressão, investir em uma vida de altas mentiras. Ainda que haja astúcia em cena, os forasteiros apostam num plano de domínio econômico para a minúscula Fairfax (Oklahoma). Minuciosamente, Scorsese apresenta o cotidiano da nação Osage, embalada numa roupagem moderna, ainda que a trama se afirme nos anos de 1920. O progresso, testemunhado em tomadas aéreas, chega junto com situações calamitosas, entre as quais uma melancolia dos indígenas aplacada com alcoolismo.
Comparados pelos nativos a coiotes, gambás, cobras e abutres; os brancos agem mais próximo de ratos (metáfora que Scorsese já usou em Os infiltrados). Revestido por um desenho de som extremamente tenso, o filme traz cenas secas como a do reconhecimento de corpos e autópsia perturbadora, além de apostar em quadros com figurantes às centenas. Planos de imagens coloridas, cenas monumentais (entre as quais DiCaprio apanhando de De Niro), maquinação de mentes adoecidas, visões e respeito pela cultura alheia (a exemplo de A teta assustada, de Claudia Llosa) são ricamente orquestrados por Scorsese. De quebra, há os talentos da atriz Lily Gladstone (na pele da moderada Mollie) e de Jesse Plemons, como agente do FBI.