Crítica // Meu nome é Gal // ###
Há um momento no filme Meu nome é Gal (codirigido por Dandara Ferreira e Lô Politi) em que a voz da tropicália é chamada de "hippie piolhenta" — mas é justo por "aquela gente" reacionária, comprazida em espezinhar a artista que cantava ser "o amor". A sensação de tocaia ganha corpo com os passos dos militares (vistos em imagens de arquivo), até o começo dos anos de 1970 (época cercada pelo filme). Na medida em que cabia, Gal (Sophie Charlotte) respondia a tudo com a "insubordinação" dos cabelos e com um espontâneo desbunde, além do contentamento e tranquilidade, notáveis parceiros, pela vida toda.
"O clima está tenso, no país inteiro", reforça, num trecho de carta, Mariah Costa Penna (a mãe de Gal, interpretada por Chica Carelli). Artifícios políticos da chamada "Segurança Nacional" tornam-se concretos, no desenvolvimento do roteiro do filme, bastante detido no cotidiano do chamado Solar da Fossa, ponto de acolhida para a recém-chegada Gal, que se mistura a personalidades como Torquato Neto, Rogério Duarte e Tom Zé, que via algo a mais em Gal, "no feminino a ser conquistado". Bem antes do "gozar, gozar", aludido num episódio em que há o batismo do refúgio (em Ipanema) As Dunas da Gal, a personagem central estará em formação, rumo aos estrondos com Divino maravilhoso, Fruta gogóia e, claro, Meu nome é Gal.
As mudanças abruptas do mundo, como reforça Caetano Veloso (em cena, feito pelo ótimo Rodrigo Lelis), quase atropelam Gal, à época retratada como alguém bastante colada a Dedé Gadelha (Camila Mardila, num papel agregador) e Gilberto Gil (Dan Ferreira). Numa fase em que, na galhofa, o poeta Waly Salomão decreta a ausência de "maturidade" dos artistas, Gal se consolida, na trama, como uma "borboleta prestes a sair do casulo", como decreta o empresário Guilherme Araújo (papel de Luis Lobianco).
Por vezes desmerecida pela naturalidade com que age, fora dos engomados e vigentes padrões repassados pela televisão, Gal, tida por Maria Bethânia como "a voz mais linda do universo" (uma hipérbole à difundida definição do mestre João Gilberto), na tela, ganha com a frugal interpretação de Sophie Charlotte. Morta há quase um ano, mas nascida "para viver e cantar", a Gal do cinema chega chorosa, mergulhada numa solidão (aplacada, em parte, pela interação com Lelia, feita pela atriz Elen Clarice), mas — noutra medida — dispara fagulhas, nas versões de Vapor barato (de Jards Macalé e Waly Salomão) e Luz do sol (de Carlos Pinto e Salomão).