O diretor francês François Ozon, aos 54 anos, segue sendo dos mais versáteis e indispensáveis nomes do cinema mundial da atualidade. Recentemente, com Está tudo bem, ele propôs discussão da eutanásia; em Verão de 85, analisou a profundidade de juvenil romance gay, isso sem contar os instigantes temas e formas de longas como O amante duplo, Jovem e bela e Sob a areia. O que acontece, então, quando Ozon decide investir em uma homenagem ao alemão Rainer Werner Fassbinder, efetivo dínamo das artes cênicas e do cinema?
Morto aos 37 anos, diante de overdose de cocaína, Fassbinder, entre clássicos, assinou As lágrimas amargas de Petra von Kant, por ele mesmo adaptado para a telona, em 1972. Peter von Kant, estrelado pelo excelente ator Dénis Ménochet, dialoga diretamente com a verve do mestre alemão. No lugar da estilista da peça original, Ozon investe no relato da trajetória de um fictício cineasta, o Peter do título. Comandando um universo predominantemente masculino, Peter é intransigente e manipulador ao quadrado. Em muito, faz lembrar anedotas em torno de Fassbinder.
Enquadrada num colorido berrante da fotografia criada por Manu Dacosse, a trama do longa se apoia no tema das relações descartadas e de mera ocasião. Avesso à liberdade daqueles que o cercam, Peter domina e liquida a personalidade de tipos como o faz-tudo Karl (Stéfan Crépon, brilhante, num silêncio impactante), até se ver animado e vidrado em Amin (Khalil Ben Gharbia), que reverte e dribla as expectativas de eterna dominação de Peter. De quebra, entram em cena eternas musas de cinema da estatura de Hanna Shygulla (estrela de Fassbinder) e Isabelle Adjani (parceira habitual de Ozon). Denso e imenso filme de François Ozon.