A hecatombe anunciada pelo cenário de guerra na Ucrânia e, em escala global, decorrente da pandemia, por incrível que pareça, concorreu com a feitura do mais recente documentário de Adriana L. Dutra. Inicialmente, as teorias formuladas pelos entrevistados tratavam de temores como perda de lar, de emprego e de outras profundas instabilidades individuais.
Mas, o filme cresce na narrativa e alcança a magnitude coletiva. No plano crítico, o longa aponta para o sufocamento de diversidades; o risco da unificação de ideias (trampolim para o fascismo) e calamidades palpáveis, como a da visão de prateleiras vazias em mercados japoneses (no auge do coronavírus). Insegurança, alianças escabrosas e fake news comparecem, no bojo do tema.
O padre Júlio Lancellotti desponta no filme para tratar da perniciosa propagação de desigualdades e para desmascarar a "ideia ingênua" da solidariedade incutida no quase pós-pandemia. O filósofo Francis Wolff puxa o fio da meada de todo e qualquer medo: a incerteza do quando e como será cada uma de nossas mortes.
Derivado do apagamento do campo racional (como sublinha o professor Jason Stanley, que demonstra a afirmação que "sem medo, não há guerra"), o medo, pelo olhar do escritor e liderança indígena Ailton Krenak, auxiliou "Igrejas a manobrarem subjetividades das pessoas".
Estado
Nada mais natural, neste campo de discussão, do que a perspectiva dada pelo cientista político Marcelo Jasmin — gabaritado para rever cisões do cristianismo (leia-se católicos e protestantes) e para comentar da propalada "instância superior" forjada para intermediar contrapontos entre "bem e mal", a partir do Estado, como fundador da ordem (tal qual descrito na obra Leviatã, de Thomas Hobbes).
O grande mérito da diretora Adriana L. Dutra é sintetizar correntes alinhadas de um cenário caótico, ilustrado por Sociedade do medo. "O medo das ações afirmativas (a favor de cotas, feminismos e diversidades)" é examinado pela pesquisadora Ivana Bentes, já as exigências de consumo (atreladas ao disparar de popularidade entre os pares incapazes de consumir) estão acopladas no discurso do sociólogo Barry Glassner. Tudo é forte e definitivo, entre tantos depoimentos.
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