
Para lidar com a perda de um filho que se suicidou, uma mãe mergulha no Lago Paranoá e passa a nadar. Com o menino simbolicamente amarrado às costas, ela vagueia pelas águas até se sentir pronta a entregá-lo e a deixá-lo ir embora. Essa história ganha muitas camadas e dimensões no espetáculo Baleias, adaptação do livro O luto da baleia, de Solange Ciani. No palco, as atrizes Gleide Firmino e Carmem Moretzsohn vivem as personagens enquanto um vídeo mapping traz Solange no papel da mulher-baleia.
A autora começou a escrever o livro em 2020, após ela mesma perder um filho para o suicídio. Ao mostrá-la ao diretor Hugo Rodas, durante uma sessão de leitura antes da publicação, Solange se surpreendeu com a determinação do diretor em levar o texto ao palco. Mas Rodas morreu em 2022 e não chegou a ver o livro publicado nem soube que, no ano seguinte, a obra se tornaria finalista do Prêmio Jabuti na categoria Romance. Mesmo assim, Solange decidiu que a ideia de Rodas merecia crédito e pediu ajuda ao diretor Jonathan Andrade para construir a dramaturgia que o público pode agora descobrir, nesta sexta-feira (25/4) e no sábado (26/4), no Teatro Yara Amaral do SESI Taguatinga. Em projeto de circulação que dura até 30 de abril, Baleias também estará nos palcos do Gama, Ceilândia e Plano Piloto.
Solange conta que partiu da própria experiência para escrever a história, mas que ela não é a cópia fiel do que vivenciou. "O livro não é exatamente minha história, a gente inventa muitas coisas. Pego o cerne da história, que é um filho suicida e uma mãe. E essa mãe representa todas as mães que perderam seus filhos", explica. Na criação da autora, a mãe é uma mulher sozinha e não sabe o que fazer diante do sofrimento. Inspirada pela história das baleias orcas, que carregam o corpo dos filhotes mortos por quilômetros mar adentro antes de deixá-los para trás, ela decide amarrar o filho ao corpo e nadar para encontrar o ventre da terra do meio do Lago Paranoá.
A mulher entrega então o filho a Nanã, a entidade da morte e das águas. "Ela colherá seu filho sem julgamento, que é o que as religiões fazem, julgam quem tira a própria vida", explica Solange. "Ela vai trazendo sentimentos, emoções até chegar na camada mais profunda que é a memória de como esse e filho veio ao mundo. É um livro poético, por incrível que pareça. O cerne da história é dramático, mas é muito real. Porque praticamente toda semana me chega uma história de uma criança ou adolescente que se suicidou por causa de situações diversas. A gente tem que dar um jeito de olhar para isso", diz.