CRÔNICA

O parque e a cidade

Hoje, é impossível falar do que fazer em Brasília sem mencionar o Parque, que virou atração turística, locação de filmes, se eternizou em letra de música e passou a fazer parte da vida de cerca um milhão de pessoas que o frequentam mensalmente

cronicadiv mais 1804 -  (crédito: kleber sales)
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cronicadiv mais 1804 - (crédito: kleber sales)

Por Cilene Vieira,

Conheci Brasília em Julho de 1985. E nada me estranhou na cidade, pelo contrário, achei tudo familiar. Mesmo sendo a cidade mais diferente do Brasil, criada na prancheta e planejada por um arquiteto e um urbanista, as vias largas percorridas por automóveis, rampas, curvas e viadutos contra o céu já existiam no meu imaginário desde muito tempo. Aqui, só concretizei as imagens cinematográficas que habitavam a minha mente.

Que cidade linda! Quanto espaço! Que maravilha essa falta de postes e fios elétricos nas ruas! Foi o que pensei de imediato. Vivia no Recife, onde como toda cidade do litoral, você sabe de que lado está o mar, que serve de limites geográficos para lugares onde as pessoas podem viver. Brasília não, uma cidade sem limites de mar, nem de montanhas, com espaços abertos pra todos os lados, adorei isso.

Estava de férias, podia explorar ao máximo a cidade de dia e de noite, como se fosse daqui. Conheci o Beirute, o Bom Demais, o Gilbertinho, o Congresso Nacional, admirei os Palácios, fui à missa na catedral, fiz compras na Feira do Guará e vi um show de rock no final de tarde, na 312 Norte. Que cidade incrível! Continuava a pensar.

No domingo, fui ao Parque da Cidade assistir a um show do Projeto Cabeças. Jamais esquecerei aquela experiência. Um show num parque, gratuito, aberto, cheio de pessoas de várias idades, sem preocupação com segurança, sem polícia, sem receios. Pessoas sentadas na grama, grupos de amigos em rodas, uma atmosfera de liberdade e de sentido de pertencimento, num lugar que parecia gritar que a vida era boa e valia a pena.

Voltei para ficar três anos depois. Vim fazer meu mestrado na UnB e, fora o período que morei em república na universidade, nunca mais saí de perto do Parque, morando em Brasília.

Caminhava na pista repassando textos lidos com amigas do curso. Pedalava observando a natureza e as cores do cerrado, tão diferente da mata atlântica a que estava habituada. Ficava maravilhada com a área de pinheiros, tão linda e perfumada. Observava comportamentos, os grupos de famílias e amigos em volta de churrasqueiras ou fazendo piqueniques, me chamava atenção ter tantas pessoas tomando sol na grama, ou até caminhando de roupa de banho na pista, como se estivessem em algum balneário.

O Parque continuava a me encantar e a sensação de que a vida era boa estava sempre lá.

Se passaram quase 40 anos desde que cheguei e nunca perdi o encantamento pelo Parque. Muitas mudanças aconteceram, a Piscina de Ondas fechou, o Projeto Cabeças terminou e o Bosque dos Pinheiros não existe mais. Houve momentos de abandono, de administrações descuidadas, mas o Parque resistiu. Surgiram novas atrações, novos usos que tornaram o local mais diverso ainda, frequentado por pessoas de todo o DF, de todas as classes, de todas as idades, que ocupam os espaços com liberdade. O lugar mais democrático da capital.

Criado para a prática de esportes e lazer ao ar livre, o Parque da Cidade se tornou um ponto de encontro, de convergência de pessoas e de contato com a natureza, numa cidade que cresceu para todos os lados.

Hoje, é impossível falar do que fazer em Brasília sem mencionar o Parque, que virou atração turística, locação de filmes, se eternizou em letra de música e passou a fazer parte da vida de cerca um milhão de pessoas que o frequentam mensalmente. Fundamental para a cidade em tempos de emergência climática, hoje o Parque da Cidade, o maior parque urbano da América Latina, e um dos maiores do mundo, é um oásis no meio do concreto. Um local de convivência, que mantém uma atmosfera alegre, onde a vida é boa, e as pessoas parecem mais felizes.

Cilene Vieira, jornalista e mestre em comunicação, é autora do Blog Nosso Parque da Cidade, publicado no site www.correiobraziliense.com.br

 


postado em 18/04/2025 07:04