
Foi com um tipo muito direto e comunicativo de enredo que o diretor Michel Hazanavicius tornou-se mundialmente famoso, quando das vitórias no Oscar, por O artista, que arrebatou estatuetas de melhores filme, ator, direção, música e figurino. Em O formidável, que cutucou a
sacra imagem de Jean-Luc Godard, Hazanavicius elegeu certo arrojamento na narrativa, caso permitido pelo material do longa. Agora, ao adaptar, junto com o escritor Jean-Claude Grumberg, A mais preciosa das cargas para a telona, o diretor comanda um filme singular (em termos de desenho) e muito diferenciado (na carreira).
A animação — que trata de obstáculos, sem poesia forçada — obteve três indicações ao prêmio César, e ainda competiu nos festivais de Annecy (o maior de animação, no mundo) e Cannes, isso além de ter faturado o prêmio especial do júri de Mar del Plata (Argentina). Atores consagrados como Jean-Louis Trintignant (dos clássicos Um homem, uma mulher; Amor; Z e O conformista), Denis Podalydés e Dominique Blanc dão o tom da dublagem. Com intensa dramaticidade, Hazanavicius parte de trama que poderia assentar um conto infantil, mas, a bem da verdade, abriga uma dureza dos tempos pré-Holocausto e negacionismo. No enredo, a esposa de um lenhador enfrenta um marido embrutecido, tendo por apoio um desconhecido, gravemente ferido no curso da vida, e ainda um bebê de terceiros.
A falta de cuidado entre pessoas de mesma comunidade, a repulsiva perseguição a seres humanos e uma concepção visual alavancada por esboços do diretor (que revela inesperado talento nos traços) dão conta da densidade do longa que traz roteiro trabalhado por Jean-Claude Grumberg (hoje, aos 85 anos, e que foi colaborador de François Truffaut e Costa-Gavras). Responsável pela montagem (junto com Laurent Pelé-Piovani), Hazanavicius explora um excesso de fades que comportam intensidade, a cada retorno de imagem. Traços grossos, cores que vão do branco ao musgo, com muita intensidade de terracota e preto, e um conteúdo pertinente (com acirradas críticas ao uso da expressão "sem coração" para se identificar judeus) dão conta de equilibrar esperança, falta de hospitalidade e aconchego, tudo num mesmo longa.