
Solo da cana propõe um exercício de abstração e imaginação: o que diria a cana-de-açúcar após séculos de exploração? A ideia pode parecer inusitada e até engraçada, mas não é graça que está contida na motivação da atriz e bailarina Izabel de Barros Stewart, que traz o solo dirigido por João Saldanha para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em temporada até 13 de abril.
Símbolo da monocultura e de um sistema mercantilista, explorada há séculos como uma commodity valiosa no vaivém do capitalismo mundial, a cana-de-açúcar ganha vida e voz num texto furioso no qual fala de sua própria condição. É um canal para Izabel falar de temas diversos que tangenciam e problematizam questões como o colonialismo, as relações humanas e o meio ambiente. "A coisa que mais me pega desde o início nesse espetáculo é a coerência, porque esses assuntos tendem a um certo oportunismo nos dias de hoje e, no caso da Izabel, foge completamente disso porque, paralelo ao espetáculo, ela faz uma série de ações envolvendo produtores rurais, comunidades que se preocupam com o solo e toda essa questão da monocultura, que é muito violenta, principalmente no interior do Brasil", avisa o diretor, João Saldanha.
Munida apenas de um banquinho e envolta em fumaça, a figura longilínea da personagem ocupa o palco com um monólogo cheio de passagens zangadas. A personagem quer falar de ser explorada em larga escala e, com isso, traz à tona também os contornos da formação de todo um povo. "Esse texto é uma síntese de uma história de vida, porque toca em assuntos absolutamente do universo feminino traçando uma analogia a essa personagem vegetal que é a cana de açúcar e todo seu histórico nesses últimos séculos", explica o diretor.
É também um texto que remete ao universo feminino. "É uma fala feminina, acima de qualquer coisa, nesse contexto de mundo que a gente vive, que é o esgotamento do mundo masculino", explica João Saldanha, que teve como desafio evitar que a montagem caísse em um pastiche. A escolha da cana-de-açúcar também envolve um contexto, já que, por meio dessa planta, é possível falar de colonização, escravidão e história. "É um texto bem furioso. É uma cana de açúcar que está proclamando todas as suas angústias e tristezas pelo excesso de exploração do solo. E não se trata especificamente de uma transposição vegetal. Ao longo do espetáculo, esquecemos que é um ser humano."