Artes cênicas

Peça de Nelson Rodrigues ganha releitura que discute racismo

Peça de Nelson Rodrigues com direção de Bruce Gomlevsky ganha elenco negro para discutir questões como racismo e opressão

Com um elenco que abarca atores entre 20 e 80 anos e uma família preta entre os protagonistas, a versão do diretor Bruce Gomlevsky para Bonitinha, mas ordinária, clássico de Nelson Rodrigues, propõe uma montagem que espelhe a sociedade brasileira. No texto, Werneck, um poderoso e rico empresário, designa o genro, Peixoto, para encontrar um marido para a filha, vítima de um estupro coletivo. Selecionado entre os funcionários do empresário, Edgar, um rapaz simples, não aceita a incumbência, pois está em um relacionamento com Rita, por quem é apaixonado.

A trama se estabelece em torno das tensões éticas e morais que dizem respeito às escolhas de Edgar, pressionado a aceitar a missão em troca de um cheque robusto. "A peça fala sobre ética, corrupção, amizade, relações familiares, incesto", avisa Gomlevsky. "Será que o ser humano, inevitavelmente, tem um preço? Ou pode ser incorruptível?". No palco, o elenco é formado predominantemente por atores negros, incluindo a família de Rita, namorada de Edgar. O diretor conta que sempre se sentiu incomodado pela maneira como alguns personagens se referem a outros, no texto original, como crioulos. 

Segundo Gomlevsky, Nelson Rodrigues tinha uma postura antirracista validada, inclusive, por Abdias do Nascimento, para quem escreveu Anjo negro. "E me incomodou fazer um espetáculo só com brancos, então veio a ideia e convidar um elenco negro. Agora, o fato de estarmos falando sobre isso em 2024 já denota o racismo imenso que reina nesse país. Se ainda causa alguma surpresa uma peça do Nelson protagonizada por negros, é sinal de que o Brasil é muito racista", lamenta o diretor.

Ele acredita que evidenciar o racismo e situações de opressão também eram propósitos do texto. "Basicamente, tem uma questão no texto que me incomoda, que é a questão dessa elite brasileira, essa elite do atraso, para usar a nomenclatura do Jessé de Souza, que está há 200 anos no poder oprimindo e explorando as classes trabalhadoras. Essa elite que corrompe e é corrupta", diz. Para o diretor, Nelson Rodrigues é um autor que sempre incomodou a esquerda e a direita. "É um autor amoral. E muita gente quer cancelar, mas ele precisa ser discutido, encenado." Gomlevsky avisa que não mudou uma palavra do texto original de Bonitinha, mas ordinária, encenada pela primeira vez em 1962. "E ainda reflete a realidade brasileira. Essa peça é um raio-X do Brasil", avisa o diretor. 

 Serviço

Bonitinha, mas Ordinária

De Nelson Rodrigues. Direção: Bruce Gomlevsky. Com: Emílio Orciollo Netto (Edgard), Sol Miranda (Ritinha), Júlia Portes (Maria Cecília), Ricardo Blat (Werneck) e Sylvia Bandeira (Dona Lígia). Hoje e amanhã, às 20h, e domingo, às 19h, no Teatro da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul Q. 4|Lotes ¾). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.


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