CRÔNICA

Galhos de Brasília

Após um longo debate (viva os vizinhos no zap), fui informado de que tenho, há anos, um oitizeiro.

O escritor Mia Couto arrastou uma multidão para o auditório da Embaixada de Portugal, por esses dias, e contou que seu terreno em Moçambique ganhou, há tempos, mudas brasileiras de árvores como o guapuruvu, planta cujo nome em tupi quer dizer "tronco de fazer canoa". Bela lembrança, a do moçambicano.

Árvore de crescimento rápido, o guapuruvu tem madeira leve, ideal para embarcações, mas não está nos planos do escritor construir uma, para a longa viagem da África Oriental a nosso continente. Nem deve inspirar livro para concorrer com a "jangada de pedra" de outro artífice da língua portuguesa, José Saramago, que, em livro, fez de Portugal uma nave à deriva no Atlântico.

Mas essa história de barcos nos leva para longe do porto onde pretendia ancorar essa crônica. Melhor baixar à terra, lembrando da mediadora da conversa com Mia, também escritora, Paulliny Tort, que aproveitou para comentar sobre a cegueira seletiva que faz da vegetação um pano de fundo indiferenciado, mal percebido pelos demais habitantes da cidade, desatentos.

Poucas plantas reivindicam atenção, no espaço urbano, como a gameleira na Quadra 406 da Asa Norte, que reservou para si um pedaço da faixa da avenida L-2, e desafia a Novacap a lhe fazer podas regulares, sob a vigilância de uma legião de fãs temerosa de algum dano mortífero a essa poderosa brasiliense vegetal.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Invejo os conhecedores das espécies arbóreas, como minha prima Bilica Leo, ex-moradora da capital, de quem ouvi pela primeira vez o sonoro nome do guapuruvu adotado por Mia Couto. Aliás, árvore exótica, que trouxe à capital instalada no Cerrado um espetáculo sazonal de abundantes folhas amarelas.

Urbanoide ignorante, tive, dia desses, de apelar ao grupo de Whats App dos vizinhos para saber o nome de uma árvore de meu quintal, com frutos de cheiro ativo, forte mesmo, brotados pela primeira vez neste fim de ano. Após um longo debate (viva os vizinhos no zap), fui informado de que tenho, há anos, um oitizeiro.

São oitis de ema as frutas da planta que os cientistas conhecem pelo nome nobre de Couepia Grandiflora e derrotam com seu aroma o cheiro das mangas caídas do pé e bichadas antes de amadurecerem pelo gramado (um dia, juro, ainda resolvo isso). Se já apreciava minha incógnita coleção de árvores do Cerrado, com seus troncos baixinhos, rugosos e retorcidos, o cheiro das frutas sobre a grama me trouxe, com o nome da árvore, um pouco mais de poesia.

 

É poética ou não a ideia de descansar à sombra de oitizeiros, quando o sol consegue aparecer nessa temporada de chuvas fartas? Nada como dar nome – e identidade – às coisas que nos rodeiam sem pedir muito em troca...

No fim da palestra do Mia Couto, vi escritores vários dando a ele exemplares dos próprios livros, que devem se juntar a outros tantos presenteados em eventos semelhantes, para um dia, quem sabe, receberem atenção do escritor celebrado.

Já eu espero que volte logo à cidade, pelas artes da simpática embaixada portuguesa. Na próxima vez, se não der problema com o Ibama ou a vigilância sanitária, ainda o faço voltar a Moçambique com uma muda de oiti do Cerrado.

Sergio Leo é jornalista e escritor, autor de “Mentiras do Rio”

 

 

Mais Lidas

Caio Gomez - Crônica Div Mais 2911
Arquivo pessoal - Sergio Leo, jornalista