Artes cênicas

Ancestralidade negra orienta o texto da peça 'Danúbio'

Peça dirigida por Jonathan Andrade fala da dificuldade de resgate das origens para o povo negro no Brasil

Danúbio surgiu de um mistério comum a muitos brasileiros: com um intenso tráfico de escravos que persistiu até o século 19, ficou impossível para uma parte considerável da população conhecer com precisão as próprias origens. Se ao escravo era negada a identidade e a humanidade, aos seus descendentes foi suprimida a árvore genealógica. É essa condição que orienta Danúbio, peça com texto e direção de Jonathan Andrade que conta a história de um homem em busca de seus  antepassados. 

Vivido por dois atores — Kalebe Lizan e o jovem Malik Gomes Leôncio, de 12 anos —, Danúbio mergulha na própria psique para lidar com lacunas que dizem respeito à existência. Elas só podem ser preenchidas por sonhos e invenções, e é com esses elementos que o personagem se reinventa. "É um espetáculo preto dedicado a se pensar e se vibrar no mundo. É um texto em que acho que consigo dar ao protagonista um mergulho nele mesmo, na complexidade do que é um corpo preto. Não é um corpo apreensível, não está no estigma. Danúbio se reinventa, não se compreende, é complexo consigo mesmo. Tem várias camadas que atravessam a cosmologia poética de um corpo preto contemporâneo", avisa o diretor. 

O espetáculo estreia no Sesc Gama hoje e abre a programação do novembro Negro. A peça foi escrita para quatro atores conhecidos de Jonathan, entre eles o menino Malik. "Um gênio", avisa o diretor, que  conheceu o garoto durante um casting realizado para um filme no período da pandemia. "Multi-instrumentista, uma criança preta absolutamente sensível e genial, é a estreia dele no teatro." No palco, Malik e Kaleb vivem o mesmo Danúbio em momentos diferentes e embarcam em diálogos nos quais o personagem se divide em dois interlocutores. "São parceiros nessa história tentando contar a história do Danúbio e também são a mesma pessoa conversando ao longo do tempo", explica Jonathan. 

Essa é a primeira vez, em 25 anos de carreira, que o diretor escreve um texto sobre um personagem cisgênero masculino. "Sou um corpo não binário, sempre envolto pelas temáticas do feminino, embora sempre tenha me interessado por gente, pelo ser humano", explica. "Danúbio surge do desejo de falar da minha ancestralidade, de histórias que a gente, enquanto corporeidade preta, não consegue dimensionar, nem decantar, porque nossas famílias não têm notícias, não se sabe dizer de onde vem, quem foi. Então a peça vem como esse ancestral que a gente não tem a possibilidade de saber quem foi e do qual, algumas vezes, nos resta apenas o nome", diz.

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Matheus Nascimento - Danúbio Direção: Jonathan Andrade. Com Kalebe Lizan e Malik Gomes Leôncio. HOje e amanhã, às 20h, e domingo, às 19h, no Teatro Paulo Gracindo (Sesc Gama - SIND QI 1 - Gama, Brasília – DF). ENtrada gratuita. Classificação indicativa livre
Matheus Nascimento - Danúbio Direção: Jonathan Andrade. Com Kalebe Lizan e Malik Gomes Leôncio. HOje e amanhã, às 20h, e domingo, às 19h, no Teatro Paulo Gracindo (Sesc Gama - SIND QI 1 - Gama, Brasília – DF). ENtrada gratuita. Classificação indicativa livre
Fotos: Matheus Nascimento - Danúbio
Matheus Nascimento - Danúbio Direção: Jonathan Andrade. Com Kalebe Lizan e Malik Gomes Leôncio. HOje e amanhã, às 20h, e domingo, às 19h, no Teatro Paulo Gracindo (Sesc Gama - SIND QI 1 - Gama, Brasília – DF). ENtrada gratuita. Classificação indicativa livre