Aos 74 anos e com uma trajetória de quatro décadas no palco, Humberto Pedrancini mergulha num clássico de William Shakespeare em versão minimalista e enxuta. Outro Lear, em cartaz até 8 de dezembro no Mercado Sul, é uma versão com dramaturgia de Yuri Fidelis para Rei Lear, a peça que acompanha um rei prestes a dividir o reino entre as filhas. A peça, na visão de Pedrancini, fala de questões muito atuais como o etarismo e a velhice. "Vivemos numa sociedade em que velho ainda é maltratado, mal cuidado, tem poucos espaços. Basta ver que na dramaturgia não existe muito, não tem muitos personagens bons para velhos. E nesse aspecto, Lear é um personagem que aborda quase todos os aspectos dos sentimentos humanos", diz o ator.
Aos 80 anos, Lear quer saber qual das filhas o ama mais para, a partir dessa quantificação, estabelecer quem terá direito às melhores e maiores partes do reino. "É um rei poderoso, prepotente, arrogante, que vai se humanizando na medida em que vai conhecendo a dor e a solidão", explica Pedrancini. "Ele passa a perceber as pessoas e os próprios súditos e vai se modificando. Deixa de ser arrogante para ser humilde e perceber o que vale efetivamente na vida, que são as coisas simples."
Com direção de Roni Sousa, a peça não leva ao palco os 11 personagens originais do texto de Shakespeare. As filhas e o bobo da corte, vivido pelo próprio Pedrancini, aparecem em imagens projetadas no palco. O minimalismo da versão está também na cenografia: apenas o estritamente necessário está em cena. "Há muitos anos leio esse texto e gosto muito, mas é muita gente, uma montagem muito difícil. E o Roni, de repente, falou 'vamos fazer esse projeto' e me desafiou, então estou nessa aventura", conta Pedrancini. "É um texto que precisa de uma carga muito intensa de energia, de drama. É uma pulsão interna de dor, sofrimento, revolta, então é tudo muito explosivo e dramático. E isso cobra no corpo uma energia muito excessiva. Tenho que trabalhar com energia extra-cotidiana enorme."