O espaço para criar e desenvolver arte autêntica move a atriz Mônica (Gisele Frade), protagonista de O vazio de domingo à tarde, quinto longa assinado pelo cineasta brasiliense Gustavo Galvão. Ainda que em crise profissional e pessoal (de onde desponta o personagem Celso, feito por Erom Cordeiro), Mônica desperta toda a atenção de Kelly (Ana Eliza Chaves), uma moça de jeito interiorano, mas conectada com o mundo virtual e praticamente hipnotizada pelo conceito de fama. Ela quer ser Mônica, em certa medida.
No quinto filme, agora corroteirizado ainda por Cristiane Oliveira, o diretor conta, em entrevista ao Correio, da "tensão no peito e da expectativa" arquitetada na trama que forma "uma panela de pressão prestes a explodir". Identificação e impacto com público foram sentidos em circuito de festivais que incluiu a 47ª Mostra Internacional de Cinema de SP, o 42º Festival Cinematográfico Internacional del Uruguay (Montevidéu), o 15º Festival Internacional de Cine de Santander (Espanha), o 2º Festival Internacional de Cine de la Provincia de Buenos Aires (La Plata) e o 39º Festival de Cine Ibero-Latino Americano de Trieste (Itália), no qual conquistou a Menção Especial do júri.
Depois de caminho diverso em filmes como Ainda temos a imensidão da noite (2019) e Uma dose violenta de qualquer coisa (2013), Galvão optou por trilha minimalista, "sem música por cima da ação". Como objetivo, evitou influenciar ou orientar espectadores "na forma de sentir a trama".
Entrevista // Gustavo Galvão, diretor
O filme desvia dos lugares-comuns. Houve a intenção de empoderar as mulheres na narrativa?
Existe a intenção de desviar dos lugares-comuns em todos os aspectos do filme, desde o roteiro, na forma como o drama dialoga com gêneros como o suspense, e passando pela concepção visual e pelo desenho de som e na sinergia com a trilha. São formas de colocar o espectador num estado de atenção, conscientizando-o das estruturas da indústria do entretenimento e da fama.
E o que enfatizou?
Existiu a intenção de retratar as batalhas que as mulheres enfrentam num meio ostensivamente sexista como é o audiovisual. O trabalho de ator em si é dos mais desafiadores porque coloca em choque o tempo todo o íntimo com o público, sendo o corpo um instrumento de trabalho. Esses aspectos são potencializados quando se tratam de atrizes. Por isso, mais que empoderar, busquei ao máximo a perspectiva feminina ao desenvolver o filme. A referência feminina mais direta foi minha parceira de vida e de cinema, Cristiane Oliveira, mas estendo os méritos a outras mulheres imprescindíveis, como a diretora de arte Valeria Verba, a produtora executiva Daniela Marinho e todas as atrizes, em especial Gisele Frade, Ana Eliza Chaves e Larissa Mauro.
Há inspiração real para o caso central de violência retratado?
Eu e Cristiane trabalhamos com dezenas de atores em mais de 20 anos de carreira. Somos próximos de alguns deles e, com o tempo, ouvimos histórias de abusos morais e psicológicos pesados, algumas vividas por esses atores, outras vividas por conhecidos deles. O mais triste é que casos assim são recorrentes não só no cinema, mas também na televisão e no teatro. São violências que são naturalizadas em nome da arte. A vivência desses atores foi uma grande inspiração para o filme.
E avançaram no tema?
O filme trata de diversas violências presentes no meio e que afetam particularmente as atrizes. O sexismo dessa indústria tende a julgar as atrizes pela beleza e pela juventude, e não pelo talento. Isso leva a outro problema que o filme aborda mais sutilmente, o etarismo. Quando o namorado de Kelly se irrita com a obsessão dela por Mônica, ele define Mônica como "velha". O estigma da idade é uma violência bastante naturalizada no audiovisual como um todo.