Crônica

A etiqueta é a arma do negócio

Pelas mãos do marketing, a arte de criar etiquetas chamativas, esses festivais deixaram, há tempos, de indicar um estilo de música. Seus nomes passaram a ser pretexto para vender festas a multidões

Por Sergio Leo  — O sucesso de um Rock in Rio com estrelas como Zeca Pagodinho, Alcione, Belo e Luiza Sonsa animou os cariocas a lançarem um Jazz in Rio e escalar Lenine, Alceu Valença e Toni Garrido, entre outros astros situados a anos-luz desse estilo musical. Nessa toada, podemos esperar o Hip-Hop in Rio com Maiara e Maraisa, Shakira e Bruno Mars. Tudo vale a pena quando as verbas não são pequenas.

Pelas mãos do marketing, a arte de criar etiquetas chamativas, esses festivais deixaram, há tempos, de indicar um estilo de música. Seus nomes passaram a ser pretexto para vender festas a multidões. Servem, muito provavelmente, só para dar uma pista do cardápio oferecido nessas baladas: no Rock in Rio, a turma bebeu chopp e Red Bull e comeu sanduíches e frango empanado; no Jazz in Rio é capaz de servirem carpaccios e bruschettas regados a vinho, uísque e negroni.

Os criadores desses eventos coletivos parecem ligeiramente inspirados na linguagem persuasiva dos coaches, esse tipo de ilusionista moderno com talento para ficar rico exibindo o dinheiro que ganhou...dizendo às pessoas como enriquecer. Do lazer ao trabalho, tudo que é sólido se desmancha em propaganda.

O que importa, afinal, não é o que você oferece, mas o rótulo em que se empacota o que é oferecido. Ou, na linguagem coach, o importante, no fim do dia, não é como você performa, mas a entrega que você anuncia como seu target.

Parece outra língua; e é. Assim como os títulos dos festivais de música servem só de pretexto e chamariz para quem quer se perder no meio da galera com alto-falantes à toda, o universo do coach adotou um idioma próprio, para vender o mito do self made man (ou woman) — em português, empreendedor(a) de sucesso que saiu do zero. São novas palavras para velhos conceitos, ou novos significados para palavras agasalhadas pelo mundo corporativo. Pense em “jornada”, por exemplo.

Hoje, do burocrata à celebridade, da diretora de empresa ao professor, todos falam de seu trabalho como “jornada” pessoal. O termo evoca epopeias de modernos Ulisses, aquele executivo empreendedor que teve um retorno glorioso da Guerra de Tróia, numa jornada heroica contra sereias, truques de Posseidon e o risco de ser passado para trás pela fiel companheira que havia deixado em casa.

A diferença é que raramente essa Odisseia de heróis contemporâneos cantada pelos coachs envolve algo além de uma vida de burocracias cumpridas e horários obedecidos. Por isso, no linguajar enfeitiçado da turma de Recursos Humanos, o poder mágico da Jornada os transforma, de funcionários, em “colaboradores”.

Pelo menos, os empregados cansados de colaborar sem receber bônus ou aumentos de salário também podem exercitar seus poderes de autopropaganda. E para estes, existe até uma fabulosa Coreia do Norte das redes sociais, universo cujo nome soa como uma palavra mágica, rima com Pirlimpimpim. É possível que você tenha perfil nessa rede, território de sonhos, onde, como no país regido por Kim Jong-Il, só se veem fotos de pessoas felizes, proativas, que amam os chefes e trabalham pelo bem comum. Onde se colhem likes e, com sorte, novos empregos.

O resto é rock, bebê.

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