Crítica

Uma democracia aviltada: filme expõe topete e deformação de Trump

A trajetória conturbada de Donald Trump é o tema da cinebiografia Aprendiz, dirigida por Ali Abbasi

Crítica // O aprendiz // ★★★★

Um jogral entre sujo e o muito mal-lavado, testemunhado por uma mulher aproveitadora e abusada: assim é o roteiro de O aprendiz, do diretor Ali Abbasi (de Border e The last of us), detido entre o futuro candidato à presidência norte-americana Donald Trump e o advogado Roy Cohn, que coordenou sua ascensão ainda como jovem empresário dos anos 1970. Conjugado a descrição de sua lastimável vida íntima ao lado da imigrante oportunista Ivana, papel preservado a talentosa Maria Bakalova (de Borat 2), o andamento do filme é vertiginoso, com algumas pontuações patéticas, e expõe o movediço andamento do ex-presidente ao lago da ética e contaminado por uma frívola assiduidade patriótica. Vale ressaltar  que o diretor desanca o político, desde a base frouxa, quando ainda nem pensava em tapear eleitores com uma aparência mal ajambrada, mas já promovia a constrangedora linha de se auto-bajular.

O Trump do filme é uma espécie de laranja estragada, que engatinha entre o deslumbramento pelo mestre — por muito tempo a voz dominante na trajetória do filme é a de Roy Cohn (o excepcional Jeremy Strong) — e a vontade de superar o império imobiliário do pai cada vez mais infectado pelo teor familiar racista e ordinário que o coloca na mira da justiça.

Não é difícil crer na composição de Sebastian Stan, que tem toda a face redefinida para dar vazão ao homem de topete infame. Além da visão tacanha, da embrionária agressividade, Trump, na tela, é elitista, lunático, simplório e a súmula da extorsão. "Fazer negócio é uma arte", sintetiza o protagonista, parafraseado Andy Warhol.

Mafiosos, vítimas de distorção e títeres estão no caminho do mentor Cohn, que tem franca predileção, no teatro judicial, em "saber do juiz" a estudar a efetiva prática da lei. O mundo do laquê, da falsa filantropia, da cafonice e dos desacatos, ganha ainda com o tratamento da imagem, ladeado pela mordacidade do roteiro (de Gabriel Sherman). A qualidade do gosto do duvidoso presente na vida do atual ex-presidente se ajusta a cada fotograma do drama.

Os atalhos, a exemplo da rudeza de abraçar a expressão "câncer gay" (no lugar de Sida) são severamente afrontivos. O começo de vida de Trump, na tela, vem com cara de raspa de tacho: vem grudado à panela que o espectador em esgravatar, à cata de reencontrar com a limpeza. Monstruoso e nada carismático, o personagem do filme é deselegante, seboso, estuprador, chantagista, e dono de um impessoal império que, ironicamente, multiplica seu nome como grife singular.

 

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