No palco, o professor barbudo de salto alto se investe do pensamento da filósofa Hannah Arendt para proferir uma aula magna sobre a importância da educação. A diferença entre educar e ensinar é crucial nesse ponto de partida de um texto que mescla a dramaturgia de Eduardo Wotzik com as reflexões de um dos nomes mais importantes da filosofia do século 20. Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até novembro, Hannah Arendt — Uma Aula Magna nasceu da vontade de resistir em um momento de caos e incerteza.
Foi durante o início da pandemia que Wotzik começou a trabalhar no espetáculo. "Eu jurei que eles não iam me matar e que minha arte ia sair mais forte do que nunca dali. E percebi que o mundo estava imerso na ignorância, tínhamos caído nessa cilada, nesse lodo, e não conseguíamos sair. O pensamento da humanidade caminhava para a barbárie e o caos", conta o ator e diretor, que sentiu a necessidade de criar um espetáculo capaz de refletir sobre o perigo da ignorância.
Hannah Arendt — Uma Aula Magna reúne reflexões presentes em diversos livros da autora. Foi um encontro que Wotzik quis transformar em uma aula nada complexa, mas também em uma espécie de homenagem à figura do professor. "Quando estava pensando nesse espetáculo, uma noite, Hannah Arendt veio puxar meu pé e me disse 'quer falar sobre educação? posso te ajudar'", brinca o ator. "Ela trouxe esse olhar magnânimo e veio falar sobre Eichmann, sobre a diferença entre educar e ensinar, sobre a importância de valorar a construção de um pensamento."
O ator e diretor então se apropriou do pensamento para mergulhar nesse universo no qual saber pensar é um exercício vital. "Eu não queria fazer um espetáculo metafísico, queria que a linguagem fosse direta, popular, que o público entendesse perfeitamente o que está sendo dito. Então comecei a construir uma aula-magna que fosse contando historinhas, pensamentos e sempre tudo muito surpreendente sobre a educação que temos dado aos nossos filhos", conta. Arendt é um dos nomes mais importantes da filosofia quando se trata de totalitarismo. São dela as análises mais contundentes da instalação do nazismo na Alemanha. Também é Arendt quem assina Eichmann em Jerusalém, ensaio sobre o julgamento de Adolf Eichmann, responsável pela logística de deportação dos judeus para os campos de concentração durante a Segunda Guerra.
E é nas condições que permitiram a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha que Wotzik encontra o exemplo para explicar a diferença entre ensinar e educar, um dos pontos mais importantes do monólogo. "Quando o nazismo ascendeu na Alemanha, o povo alemão era todo escolarizado, escolaridade de primeira, só que todos eram ensinados, não educados", explica o ator. "No ensinar, você dá ordens e todos seguem. Na educação, você produz o pensamento, induz o pensamento, dialoga com o pensamento e dá espaço e valor ao pensamento de cada indivíduo. E no pensamento da Hannah Arendt, cada indivíduo é um conjunto único. Eichmann não pensava, ele cumpria ordens."