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Um romance muito louco: veja a união em Coringa de Lady Gaga e Phoenix

Derivado do filme de 2019, Coringa: delírio a dois traz a excelência de Joaquin Phoenix e uma inesperada frieza de Lady Gaga

Uma legião de lunáticos baixa a guarda e abraça a empatia, na torcida pela vitória de um suposto mártir. Em tempos de voto envergonhado, no Brasil, os fãs de um hater poderiam ter a percepção de uma arena eleitoral para o tema de Coringa: delírio a dois; mas, extraído do caldeirão cultural norte-americano — do genuíno filão dos musicais —, o novo longa de Todd Phillips versa sobre amor e psicopatia simultânea.

Numa crise de identidade, que minimiza as ações nefastas do primeiro filme, o protagonista de Joaquin Phoenix encara a tristeza recorrente, a falta de amigos, um egocentrismo narcísico e a indiferença perante tudo e todos. Quem dará sentido à vida dele pode ser a incorrigível parceira Lee (Lady Gaga), pronta para curar o estado "afoito e desnorteado" de Arthur Fleck, o Coringa em questão. Em dado ponto da trama, ela "assume o controle" de tudo; mas, na telona, não. Achatado pelo desamor, desde os sete anos, Arthur acha que "o mundo é um palco" (nas palavras das peças publicitárias do filme) e é merecedor de um tratamento reservado a astros. Tudo conspira para a capacidade cênica do vencedor do Oscar Joaquin Phoenix brilhar em cenários que vão do lúgubre sanatório ao esfacelado ambiente de guerra à la O pianista. O desempenho dele segue magnético, sapateando e distante do cantante Johnny Cash que compôs para Johnny & June (2005).

Na antevisão de uma existência menos sombria, o circunspecto Coringa recebe o aval de incrementar o transtorno de personalidade, diante da existência de Lee, personagem mal-abraçada por Lady Gaga, para o todo sempre, uma exímia cantora. A lista de sucessos que os cantantes personagens têm pela frente é extensa, e traz If you go away; Bewitched, bothered and bewildered; That's life e To love somebody. Acoplado a moldes de êxitos como A roda da fortuna (1953), toda a dança e sonoridade vem autorreferendado por antigos musicais. Daí, as escadarias (elemento antes usado no filme de 2019) darem palanque para o imaginário de musicais clássicos como Desfile de Páscoa (1948); Hello, Dolly! (1969) e Os homens preferem as louras (1953).

O grande problema da celebração do filme anterior de Todd Phillips é ver um musical qualificar o que seja sombrio (longe do humor de um Tim Burton, por exemplo. Phillips não goza do potencial de um Lars von Trier (de Dançando no escuro). Uma trajetória de forças tão conflitantes como as emoções de Coringa mereciam roteiro mais ajustado à excelência de músicas como For once in my life, When you´re smiling, That's life e Get happy (imortalizada por Judy Garland). Ver o protagonista tratar, no seu julgamento, um juiz de majestade é divertido, bem como presenciar o circo que ele comanda no banco de réu. Mas assustador é ver como tudo se repete, esquematicamente. Ao invés de "folie à deux" (associado ao transtorno ostentado), o francês seria melhor empregado, se trouxesse o resumo do longa: num mero "déjà vu" (já 'foi' visto).

 

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