Primavera requer umidade e, sim, outubro será mês das águas

Num andamento de dança, o asfalto fumegante e os gramados ressequidos prometem mudar, nestes próximos dias que terão a virada do tempo



Beto Seabra
betoseabra2010@gmail

Elas chegarão. Ainda que com demora, que quase nos fez esquecer sua líquida presença, elas chegarão. Sem estrondo, molhando o asfalto fumegante, os gramados ressequidos e a terra seca e petrificada.
Sentiremos primeiro pelo cheiro, depois pelo ruído e só então veremos cair as primeiras gotas, quase sem acreditar. Passados os dias, sentiremos na pele, nos cabelos, nas roupas. Deixaremos elas encharcarem tudo, tudo mesmo. E não reclamaremos das goteiras, da lama ou do frio, se o frio vier.

No sábado passado, elas deram o ar da graça na Ceilândia. Eu estava lá e quase não acreditei. As pessoas pararam o que estavam fazendo e aplaudiram a chegada delas em forma de chuva! Minutos depois, descubro que elas também chegaram a Taguatinga, Samambaia e Águas Claras. Do Plano Piloto, recebi apenas esperanças.

Pois então quando elas chegarem de vez, o Cerrado, esse reino das Oréades, assim chamado por Paulo Bertran, viverá em poucos dias o seu apogeu. Os córregos e rios se encherão delas e as cachoeiras descerão em turbilhão pelas chapadas. Barrentas, turbulentas, soberanas. O Paranoá mudará de cor e ficará turvo, espumoso, onduloso. E as capivaras e os peixes nadarão enfim rumo à dança da Primavera, pois sem as águas não há Primavera.

Pois elas chegarão. Espantando o tempo feio, pois por aqui feio é quando elas demoram a chegar. E expulsando do ar o cheiro de queimado e fazendo crianças e velhos rirem de seu perfume. E com a chegada delas os bem-te-vis e as sabiás cantarão com força maior, rivalizando com as cigarras, essas otimistas que cantam antes mesmo dos primeiros pingos.

Nas primeiras gotas, ninguém se lembrará dos guarda-chuvas, mofados nas gavetas e armários. Pois molhar-se será um bem maior, ainda que no dia seguinte algum leve resfriado nos lembre que o tempo muda, que o tempo vira. E o tempo virou, como diria o poeta do mar.

As árvores respirarão aliviadas depois de tanta secura e soltarão murmúrios que poderão ser ouvidos por qualquer pessoa que não seja embotada para a dança da vida. E a grama, essa operária dos parques e jardins, também soltará gemidos quando elas chegarem. Em pouco tempo os gramados se vestirão de verde, deixando a cor cinza para trás e nos fazendo esquecer a dor da seca.

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