Cresci ouvindo MPB. Era essa a música dominante da minha infância, adolescência e idade adulta. Dizíamos com orgulho que aqui, a música estrangeira, por mais dinheiro que tivesse e por mais sucesso que fizesse, não era páreo para a nacional. Exibíamos sem modéstia a diversidade de gêneros, o Olimpo dos compositores e o reinado quase absoluto das cantoras.
MPB flertava com samba, com rock, com as mais diversas experimentações, mas estava lá consolidada, no seu lugar de honra. Não consegui acompanhar de perto como isso mudou. Só sei que, de repente, MPB virou quase um gênero do passado. Era como se eu tivesse chegado na beira de um abismo. As inovações foram vindo com uma velocidade tão rápida que agora, tenho que procurar pela MPB.
Ela estava nos lançamentos de álbuns, primeiro em LP, depois em CD. O esquema das gravadoras multinacionais era pesado: cada artista lançava um álbum por ano, com pelo menos 10 músicas novas. Uma, duas, no máximo três tocavam no rádio ou na trilha sonora da novela. O resto caía no esquecimento e depois era objeto de resgate. Hoje os álbuns não são mais físicos, têm menos faixas — isso sem falar no EP e no single — e nem sempre são pensados como uma unidade.
A MPB estava na televisão, em várias frentes: dos festivais para revelar os novos talentos aos programas especiais com os nomes mais consolidados. Programação de fim de ano, por exemplo, sempre tinha uma produção esmerada com algum medalhão da MPB. Era o presente das emissoras ao seu público. Como está hoje a música na TV?
A MPB também fervilhava nos bares. Brasília tinha um roteiro incrível de música ao vivo, com opções para todos os gostos. É verdade que alguns estabelecimentos precarizavam muito o trabalho do músico: o palco era um quadradinho minúsculo, o couvert artístico nem sempre chegava totalmente ao seu destino e o grupo de cantor instrumentistas (quando não era um show solo) desfiava horas de sucessos alheios, sempre esperando a oportunidade de colocar uma música sua no repertório.
A música dos bares praticamente desapareceu, principalmente a MPB. Para alguns, o silêncio virou quase uma obsessão — por outro lado, as exigências de isolamento acústico das casas noturnas nem sempre vingaram. Resultado: quase não tem mais aquele cantor com violão em punho, recebendo pedidos para tocar de Djavan a Lenine. Muitos dos que resistem trocaram a MPB pelo sertanejo.
Felizmente, ainda temos alguns espaços de resistência, como o Clube do Choro e os centros culturais mantidos pelos bancos públicos. Ainda temos artistas dispostos a montar shows em homenagem aos compositores das várias décadas a partir dos anos 1960, mesclando sucessos com os chamados "lado B", aquelas músicas que ficaram escondidas do grande público. Ainda temos a programação musical das rádios públicas, que nos trazem esse repertório imenso de qualidade.
Mesmo assim, é estranho, para toda uma geração, constatar que a MPB, agora, seja artigo de luxo, objeto de projetos específicos. Hoje em dia, aliás, é melhor falar em "música feita por brasileiros", porque o português nem sempre é a língua utilizada, os padrões também são importados e a linguagem audiovisual — sim, cada vez mais importante no mundo da música — segue os cânones internacionais.
Acho que a MPB não vai morrer, com certeza, porque a legião de fãs não vai deixar. Os cantores e instrumentista são danados - abrem espaços inusitados, como as sombras das árvores do Eixão do Lazer ou os bares longe das áreas residenciais.
Acontecimentos como o show juntando os irmãos Veloso — Caetano e Betânia — que estará em Brasília no início de novembro ainda dão um alento. Mas sonho com uma mágica que recoloque a MPB no nosso dia a dia, no coração dos artistas e do público. E não só para cultuar os velhos ídolos, mas para ver surgirem os novos expoentes, os que vão renovar as três letras, preservando o essencial.
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