Crítica

Filme inglês revela a crueldade reservada a refugiados no Reino Unido

'O último pub' narra a história de um homem que luta para manter vivo um bar em um país decadente na solidariedade

Crítica // O último pub ★★★★

Um contraste pertinente, ao se assistir ao mais recente (e uma despedida) do engajado diretor Ken Loach, transparece, quando percebemos as raízes do clássico Filhos e amantes (assinado por Jack Cardiff, em 1960), criado com memórias do escritor D.H. Lawrence, justamente projetado em Cannes. Aquele filme antigo citava uma era de prospecção e de estabelecimento de sindicatos sólidos, frente ao desenvolvimento da atividade mineradora.

Bastante realista está no lado oposto da moeda, cristalizado no cinema do calejado Ken Loach, aos 87 anos. O último pub iniciou a carreira junto ao público, no Festival de Cannes, campo que rendeu a Loach a Palma de Ouro com os filmes Eu, Daniel Blake (2016) e Ventos da liberdade (2006). Isso além da filmografia encorpada em que desfilaram títulos com mulheres fortes, a exemplo de Ladybird Ladybird (1994) e Pão e rosas (2000), e denúncias da opressão burocrática, eterno material para o cineasta de Terra e liberdade (1995).

O último pub fica mais otimista, quando se antevê os investimentos nas áreas sociais do primeiro-ministro Keir Starmer, representante Partido Trabalhista que abrandou a ala conservadora do país. O último pub traz enorme foco para cima de TJ Ballantyne (Dave Turner) um sujeito que impulsiona reconciliação social no bairro em que vive, e no qual tem um reduto de aposentados que se dizem ultrajados pela desarmônica convivência com a onda de refugiados sírios, patente no ano em que o filme se passa 2016. Numa corrente de últimos (e politizados títulos), como O último metrô, O último rei da Escócia, O último imperador e O último samurai, O último pub emoldura qualidades da afirmação de um senso de comunidade e o contraponto à estagnação, balizado por ações puras que, para além da caridade, embasam real solidariedade.

Representante dos dramas protagonizados por refugiados sírios, Yara (Ebla Mari) levanta o roteiro escrito por Paul Laverty (habitué na carreira de Ken Loach). É por meio de fotografias, e do contato com outra visão (que extrapola a do corpo) que ela consegue contornar diária humilhação junto aos "donos da terra" em que vive. O aprendizado de Yara vem sem didatismo, acompanhado pelos gestos solidários de Laura (Claire Rodgerson), que sempre interage com os estrangeiros. A construção de uma resistência síria atropela, sem violência, os entraves humanos dos britânicos mais radicais. Com uma inspirada montagem de Jonathan Morris, O último pub vem criado como um conto, em que pesam os sentimentos engasgados do protagonista TJ, a inesquecível bondade da cachorra Marra e uma nova utilidade para um salão de pub carcomido e quase visto como espelunca.

 

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