Por Guga Guimarães—
O universo da música se apresentou no meu quarto na forma de uma bateria em 1985. Meu irmão mais velho a colocou entre a minha cama e a dele. A partir deste momento — e para o desespero dos vizinhos — todas as tardes eu tentava imitar o que ouvia nos discos e na rádio. Havia uma efervescência do chamado rock Brasil na esteira do primeiro Rock in Rio e que foi amplificado com as famosas bandas de Brasília logo em seguida.
Sou da geração que frequentou projetos culturais fomentados pelo governo como o Concerto Cabeças, que sempre lotava a concha acústica do Parque da Cidade, bem antes da construção do pavilhão que agora abriga feiras e exposições. Arte ao ar livre, de graça, dando espaço para a poesia, a mímica, o teatro e, claro, muita música de todos os estilos. Quem não conseguia vaga para tocar no Cabeças, se apresentava em outro projeto cultural: a Feira de Música, que acontecia no antigo Teatro Galpãozinho, hoje um dos módulos do Espaço Renato Russo. Era a Brasília dos meados dos anos 1980, que selou de uma vez por todas a vocação da cidade para dar à luz centenas de bandas e músicos incríveis. Criado nesse caldeirão, comecei sendo público e depois, aos 15 anos, toquei com a minha banda da época — Fatto Consumado – em uma das últimas edições da Feira de Música.
Um passeio despretensioso num domingo no Eixão Norte me fez lembrar dessa época. Caminhando entre a 110 e a 113 Norte, parei para ouvir um time de craques tocando chorinho embaixo das árvores. Mais um pouco à frente e me deparei com um solo de trompete ancorado numa bela levada de jazz. Caminhando mais um pouco, antes da água de coco e de uma kombi vendendo cerveja artesanal, tinha uma banda tocando clássicos do blues. Na altura da 207 pude admirar as percussionistas do Batalá. Aquela era uma edição diferente da Feira de Música, agora espalhada embaixo das árvores: sem apoio do governo, mas pulsante, autêntica, cheia de gente talentosa.
Muito do que foi plantado nos anos 1980 foi colhido nos 1990, com Brasília projetando nacionalmente mais bandas de rock. Entre elas, a minha: o Pravda. Festejamos os 30 anos de gravação do nosso primeiro disco em junho passado, fechando um dos dias do festival FestRock. A motivação do festival foi dar visibilidade às bandas autorais de todo o DF.
Brasília continua sendo um celeiro de trabalhos autorais e projetos musicais interessantes. O que pode ser visto e ouvido no Eixão Norte também pode ser achado em bares e restaurantes da região. Sempre encontro ótimas atrações no Pinella e no Mundo Vivo Galeria. Tem o quarteto da Iara Gomes, a celebração do Cerrado com o Centropia, a energia caribenha do Sabor de Cuba, o samba da Sangaleti e até uma “roda de rock” chamada Sonzeira Brasileira, que faz ensaios abertos com violões e percussão. Tem música de todos os estilos todos os dias!
Mas nem só da Asa Norte vive a música na rua. O Eixão Sul, na altura da 108, também tem suas atrações com vários coletivos musicais, com destaque para o SuperJazz, que reúne DJs e músicos. Nessa peregrinação, um dos últimos achados foi o peculiar posto do rock. Beirando o Eixão, na altura da 206 Sul, o posto de combustíveis abriu um espaço para bandas tocarem. Foram poucas apresentações, mas tudo organizado, com mesas e cadeiras, comes e bebes à venda e muito rock’n roll. Em Brasília, sempre tem uma música tocando por aí e que vai tocar alguém.
Guga Guimarães é baterista