O dramaturgo Guylherme Almeida trabalhava com uma equipe na produção de um texto para teatro que valorizasse mulheres pretas que fizeram a história na cultura brasileira quando perdeu o pai. A notícia de que havia sido assassinado, queimado vivo em um pneu no Riacho Fundo, onde Guylherme nasceu e cresceu, foi devastadora e não poderia ficar de fora da narrativa. Assim nasceu Ípsilon, que o dramaturgo apresenta em temporada até 25 agosto na Galeria IV do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
O espetáculo já havia passado por dois anos de processo criativo quando a tragédia aconteceu. "Estávamos pesquisando histórias de pessoas pretas bem sucedidas, sempre quis fugir desse lugar de colocar a pessoa preta como vítima, a gente queria mulheres pretas que fizeram história", conta o dramaturgo. "No meio disso tudo, meu pai desaparece e a gente descobre que foi queimado vivo em um cemitério de pneus. Até hoje não sabemos o motivo, mas decidimos aceitar essa história que atravessou o processo e que mexeu muito com toda a equipe de trabalho. Incluímos os pneus enquanto instalação cênica."
No meio desse cemitério de pneus, a personagem Carolyna é uma astronauta que retorna ao local de origem para se reencontrar com as próprias memórias. O Y do nome da personagem é proposital e foi parar no título. "Nos anos 1990, começou uma febre de colocar nomes com Y nas periferias brasileiras. As pessoas achavam chique, era uma onda de trazer o tom do estrangeirismo para os nomes. No Riacho Fundo, onde nasci e cresci, na minha rua você encontra vários", aponta Guylherme. Carolyna dá então início a uma investigação genealógica que, inevitavelmente, esbarra na escravidão e traz para a peça temáticas como racismo, sobrevivência, desigualdade e exclusão social.
Aos poucos, enquanto a personagem busca reconhecer a si mesma, o cemitério de pneus se transforma em mar. Guylherme conta que essa foi uma opção para emergir da tragédia contada pela peça, já que Carolyna assume o lugar do dramaturgo e narra detalhes reais da carbonização do pai.
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