Crítica// A flor do buriti ★★★
Uma avó que contava do seu superior estado de visão em relação aos homens, discussões sobre o fortalecimento da imagem feminina, expressões de memórias (dos mais velhos) que reiteram o terror do massacre transcorrido em 1940: relatos como esses trazem intensidade à narrativa coletiva desenvolvida em A flor do buriti. O filme conduzido por João Salaviza e Renée Nader Messora, recheado de temas contemporâneos, fez algum barulho no exterior, tendo sido destacado no segmento Um Certo Olhar do Festival de Cannes (com prêmio atribuído para a integridade do elenco) e em Montreal (Canadá), Huelva (Espanha) e Mar del Plata (Argentina).
Num primeiro momento, o filme se ocupa da rotina, com a imbatível beleza do céu do norte do Tocantins, avisos da festa Ketuwajê, que sela resistência e proteção aos domínios dos craôs, e cânticos que trazem a premissa do colher das flores vermelhas e púrpuras de buriti e do urucum. Há dose de graça, ao ver da relação dos indígenas com sabonete de coco (houve que ficasse tentado a comê-lo) e ainda a ironia de uma das originárias que vê um parente como um "caçador de supermercado" (no lugar de caçador autêntico). Pelo celular, na aldeia, se acompanha a política da capital, e os governos truculentos do poder, interessados em ceifar "vida e identidade", são denunciados.
Entre tradições como a de se recorrer à sabedoria do buriti (testemunha perene das aldeias), personagens como Patpro (Ilda Patpro Krahô), Hyjnõ (Francisco Hyjnõ Krahô) e a fragilizada Jotàt (Solane Tehtikwyj Krahô) se contrapõem aos ideais do cupe (o branco) de exploração das "terras improdutivas" e de problemas de escala global como o crescimento na emissão de gás carbônico.