Crítica // O mal não existe ★★
Dois mundos silenciosamente colidem no longa de 2021, Drive my car, que popularizou (verdade, que com muita reserva) o cinema do japonês Ryûsuke Hamaguchi, selecionado para competir no restrito grupo de melhores diretores do Oscar, numa ocasião em que venceu estatuetas de melhor filme internacional e competiu como melhor filme. Comparativos podem massacrar um autor de cinema, mas sempre pertinente alertar o espectador do que pode ver em O mal não existe: pode até não existir; mas filme ruim, sim, esse existe — e pode ser atestado aqui.
Vencedor do Grande Prêmio no último Festival de Veneza, o novo título de Hamaguchi explana, didaticamente, as pretensões dos tentáculos de uma corporação adentrar a exploração predatória de um aldeia de Mizubiki, relativamente próxima de Tóquio. Revelar como o mercado se comporta e desenhar a dinâmica de implantação da empresa ocupa grande parte da trama. Com um tempo muito peculiar, o diretor, detidamente, mostra as pretensões e as consequências que podem derivar do glamping, um conceito de acampamento com acentuada pegada no quesito glamour. Com objetividade, os intrusos trazem civilidade e educação, camuflada de interesse em considerar opiniões alheias. Numa rasteira, colhem a hostilidade e a agressão dos precavidos cidadãos. Com a antevisão de doenças e de ataques à estrutura do habitat natural do vilarejo, o filme vem impregnado com latente fatalidade dissolvida em leves pistas de que algo já não anda bem. A conta-gotas, brota a sensação de conto de terror.
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