Crítica // O sequestro do Papa ★★★★
Filmes de tribunal, de terrorismo e ainda de sequestros parecem constante na longa filmografia do habilidoso octogenário italiano Marco Bellocchio que respondeu por títulos como O traidor (2019), Bom dia, noite (2003) e O diabo no corpo (1986). Carregar o peso das escolhas e dos fantasmas decorrentes afasta o cinema de Bellocchio do choque pelo mero choque oco. No novo filme, ele retrata a guerra particular cristã que opôs o Vaticano a uma bem estabelecida família de judeus da qual o pequeno Edgardo Mortara (em dois momentos interpretado pelos igualmente talentosos Enea Sala e Leonardo Maltese) é sumariamente extirpado.
Barbara Ronchi interpreta a sofrida mãe Marianna, enquanto o pai é personificado por Fausto Russo Alesi. Bellocchio trata de religião e engajamento ideológico, e tudo isso com extrema intensidade em termos de acabamento visual. Na história que cruza os irredutíveis desmandos do Papa Pio IX (na impecável representação do enfurecido Paolo Pierobon) com a família Mortara, em fins do século 19, o cineasta reformata a lida com o desejo, (des)obediência e opressão. Num detalhe precisos, a direção de fotografia evoca pinturas seculares.
Vencedor nas categorias figurino, penteados e maquiagem, na importante esfera dos prêmios Davi Di Donatello, O sequestro do Papa acaba mesmo por ser abrilhantado pela exposição da religação do homem com os valores terrenos. Católico a cabresto, Edgardo colapsa, neste filme em que, com maturidade, Bellocchio se arrisca cunhar heresias, com pontuação pouco romantizada, e que chega a tratar da radicalização, com citação até mesmo à proposta de circuncisão para o Papa.
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