Crítica

Lugar de muita guerra: confira a crítica de 'Grande Sertão'

Obra clássica de Guimarães Rosa ganha adaptação de Guel Arraes, em ambiente urbano e com performances inspiradas de Caio Blat e Luiz Miranda

Luísa Arraes e Caio Blat protagonizam adaptação de 'Grande Sertão: Veredas' -  (crédito: Helena Barreto/Divulgação)
Luísa Arraes e Caio Blat protagonizam adaptação de 'Grande Sertão: Veredas' - (crédito: Helena Barreto/Divulgação)

Crítica // Grande Sertão ★ ★ ★ ★

Muitas resoluções finais se avolumam tanto no rico texto de João Guimarães Rosa quanto na adaptação da obra Grande Sertão: Veredas, vertida para a tela por Guel Arraes. "Aprender a viver é o viver mesmo", diz um dos protagonistas da trama estrelada por Caio Blat — com uma projeção insuperável — e Luisa Arraes, respectivamente, Riobaldo e Diadorim, donos de amor proibido (e "vergonhoso") na trama do filme embalado em roteiro cocriado por Jorge Furtado.

Os dois "guerreiros que se gostam" convivem num ambiente cinematográfico de cores vibrantes, num moderno complexo periférico de metrópole batizado de Grande Sertão. Sai de cena o ambiente rural, mas a essência fica. Há "bala perdida, e achada", autoridades de caráter dúbio, e mais, paralelos com o "quinto" (imposto cobrado à época do injustiçado Tiradentes) e ainda com a jornada inglória vista em Canudos. Em suma, entre impasses incontornáveis, pesa a modelagem de mártires e pacifistas (adulterados pela crueza do cotidiano).

"A paz é no fim da guerra", destaca Zé Bebelo (Luiz Miranda, em desempenho superlativo), à frente da promoção de justiça, junto a uma polícia corruptível. Entre tiroteios, ele mantém a retidão dos relatos das atrocidades. Quer "Tudo nos conformes; tudo bem divulgado". Com agilidade no registro de golpes fatais, a fotografia capitaneada por Gustavo Habda é surpreendente. Já a direção de arte a cargo de Valdy Lopes Jn. (um talento saído de O banquete) tem um poder de convencimento que faz lembrar a grandeza do proposto por Spielberg em Jogador nº 1.

Destemidos, Diadorim (numa grande presença de Luisa Arraes) e Riobaldo encampam a pose do passarinho, que citam na trama: aquele "que se debruça (por ter) o voo já pronto". Facadas, delações, venda de armas para bandidos, exaltação a leis (nem sempre justas) e a dor encapada por Otacília (Mariana Nunes, numa voz potente da comunidade, quando exalta que "o mal não dorme mais") tornam todo o filme pulsante, acordado com uma câmera de manejo acidentado (no melhor sentido). Sem efeito oco, as coreografias das mortes balizam a atenuação de um filme, por si, violento.

Entre homens "arruinados e humanos" , os inimigos brotam, e ganham inspiradas interpretações de Rodrigo Lombardi (o Joca Ramiro) e Eduardo Sterblitch (na pele de Hermógenes, que mata à revelia). Categorizada de amizade, a relação entre o narrador Riobaldo e Diadorim estabelece sentimentos perigosos, e encadeados em intrigante edição de Fabio Jordão (da série Os outros).

 

 

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postado em 07/06/2024 12:39 / atualizado em 07/06/2024 12:49
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