Por Luís Jorge Natal, jornalista ljnatal@gmail.com—São várias as maneiras de sentir saudades de quem a gente gosta, mas foi embora. Uma constante é a vontade de contar as novidades ou descrever um momento específico. Carrego do lado esquerdo do peito muitas saudades, de muitos que se foram. Nem todas são tristes, outras, doem muito. Do meu pai, por exemplo, é uma dor conformada, por esperado. Ele não deixava os filhos envelhecerem no próprio coração. Houve uma época em que eu viajava muito, praticamente toda semana. Por ordem e exigência do já velho pai, tinha que avisar quando chegava ao destino.
Hoje, a saudade tem endereço certo a cada aterrissagem. No Rio de Janeiro, saía do aeroporto Santos Dumont em direção à Zona Sul, aos bairros de Copacabana ou Ipanema. Ainda no aterro do Flamengo, em frente ao antigo Hotel Glória, era hora de avisar que cheguei bem. Respondia então a um pequeno interrogatório: para onde ia o que iria fazer e... nunca mais passar no aterro foi a mesma coisa. Vem sempre a vontade de ligar o celular e escutar a voz do velho ainda ecoando nos escaninhos da memória. O mecanismo é o mesmo em São Paulo, quando acesso a Avenida Brasil.
Em Natal, quando entro na praia de Pirangi, ou quando cruzo o bambuzal do aeroporto de Salvador. Brasília não escapava, ligava assim que chegava ao antigo balão. Tudo ainda está nos mesmos lugares, menos a voz dele, inspirando cuidado e preocupação.Às vezes as lembranças vêm das velhas peladas, do gol que não fiz, do passe bem dado. E logo surge a escalação do time que já subiu. O que era um time de futebol de salão até pouco tempo, rapidamente virou a escalação de campo com direito a reservas. E a vontade de comentar com os amigos só aumenta.
É o pagamento dolorido de quem vive e deixa viver nas lembranças os queridos.Essa semana diversas recordações povoaram as minhas gavetas da memória. E o gatilho não foi nada triste, ao contrário. No último sábado, a geração que deu identidade a Brasília na década de 1970 foi responsável por um momento único, lúdico e de alegria. Todos – quem foi avisado, quem veio a pé, de carona ou no seu próprio carro – chegara ao bom e tradicional Beirute, na 109 Sul. Pareciam saídos do concerto Cabeças, do Cine Brasília, da UnB ou voltando de Pirenópolis. Foi uma reunião de turma, todos se conheciam ao menos de vista. Poetas, escritores, músicos e musas a cada centímetro.
Um deles traduziu o momento: é o dia do abraço, do há quanto tempo. Um ar nostálgico e de paz pairava na esquina beirutiana. O tempo trouxe as marcas de sempre, seja nos cabelos brancos ou no difícil caminhar. E era um tal de rever e abraçar velhos amigos e antigas paixões. O Liga Tripa cuidou da trilha sonora de toda uma época. E o motivo não poderia ser mais lúdico: homenagear o poeta e escritor Vicente Sá. Um maranhense que aqui sentou praça ainda criança e cresceu junto com a cidade. Craque nas letras, era também craque de bola. Quase foi profissional.
Querido por todos, nunca se conheceu dele um inimigo. O ajuntamento do bem visava abraçar o poeta e ajudar no tratamento de combate a sorrateira enfermidade.Mas o que a homenagem tem a ver com a com o início do texto? Tudo. O velho Beira por alguns instantes se vestiu de 70 em todas as mesas. Até as ausências eram sentidas. Eu, por exemplo, senti a presença do meu parceiro Chicão, o Francisco de Paula Oliveira, figuraça que mais entendia de passarinhos e das árvores do cerrado. Tá, de cerveja também. Mas para entender tudo que estava acontecendo queria mesmo era ter ligado para o Paulinho Pestana. O mais perfeito tradutor da alma brasiliense e também amigo do Vicente. "Morto amado nunca para de morrer", disse Mia Couto.