Na cidade "muito amiga do cinema, Lisboa, com grandes talentos artísticos", o diretor cearense Halder Gomes de comédias como O shaolin do sertão, Cine Holliúdy e Os parças estabeleceu a base para as filmagens do mais recente longa, o drama Vermelho Monet, filme que deu vazão, com um enredo de amor, à verdadeira obsessão dele por museus e obras. "Com o sucesso das comédias populares, às vezes, fica difícil convencer (patrocinadores) que posso expor um outro universo ligado a coisas tão íntimas", conta em entrevista exclusiva ao Correio.
Para além da mescla entre vermelho e azul, a alternância entre interpretações para teatro e cinema e ainda a fusão entre ficção e realidade tomam lugar na trama de Vermelho Monet, que envolve triângulos amorosos, financiamento de artes e paixões reacesas. "Há uma metáfora cromática do duelo entre o vermelho versus o azul associada à fragilidade existencial do protagonista, o pintor Johannes (Chico Diaz), e sua musa Florence Lizz (Samantha Müller)", explica o cineasta. Johannes se vê representado na Lisboa histórica, boêmia, em contraste com a Lisboa de arquitetura contemporânea em que está o universo da marchand Antoinette (Maria Fernanda Cândido).
Originalidade, paixão por pintura e o valor de arte estão estampados no enredo. Um senso estético apurado foi perseguido pela equipe que contou com a direção de arte Juliana Ribeiro e a diretora de fotografia Carina Sanginito. "Houve amadurecimento, nos estudos de paletas, luzes, lentes e ainda nas inúmeras visitas a museus. Carina sabia claramente que o filme era uma pintura barroca em movimento em sua maioria, e isso a fez estudar muito sobre esse movimento artístico", explica Halder. Formado em estrutura de concerto, Vermelho Monet traz a música como personagem, numa viagem que funde Hot stuff (de Donna Summer) à música clássica. "Há momentos em ouvimos Erik Satie, compositor francês que teve seu momento mais criativo durante o período de sua relação com Suzanne Valadon, modelo e musa de Renoir, Degas e Monet. Depois, ela se tornou uma das pintoras pioneiras dos movimentos à sua época", conta o realizador.
Três perguntas // Halder Gomes, cineasta
Como é partir do regional com vistas ao internacional?
Na verdade não é uma experiência nova, já havia vivido isso em Los Angeles em outros projetos. Mas o que faz a de Vermelho Monet especial é ter sido realizada em Lisboa, uma cidade que cismei que faria um filme lá desde o primeiro momento que lá desci do avião pela primeira vez. Tinha a vontade de ver o universo da pintura retratado sob o “balé” da melodia gostosa da lusofonia. Hoje vivemos muito integrados globalmente, já era uma lugar que conhecia bastante.
A musa, no cinema nacional, mudou de postura, existe um novo patamar para explorar a sensualidade como ocorre com o filtro do pintor de Vermelho Monet?
Acredito que sim. A sensualidade precisa encontrar outras formas de contemplação. No caso do pintor é sua obsessão com pela imagem que o transporta ao passado de momentos mais iluminados. Sua musa é a sua relação metafórica e simbolista com sua aspiração artística. Ele não a vê como uma forma de exploração gratuita do corpo feminino.
O que o vermelho significa para você, e para seu personagem?
O vermelho é a primeira cor que a espécie humana aprendeu a manipular. Diria que é o berço da concepção policromática da arte. Foi a cor protagonista por séculos até a chegada do domínio do azul, quando perdeu esse posto e passou a ser relacionada ao fogo do inverno e outras vilanias. É uma cor forte, pulsante, viva, instigante e poderosa. Porém, paradoxalmente, é uma cor muito “frágil” se misturada a outras. Baseado numa citação de Kandinsky que abre o filme, “o vermelho é como o fogo, mas se misturado ao azul ele arrefece como um ferro em brasa na água”.
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