CRÔNICA

Conexão Brasília-Washington

Jamais vou me esquecer do dia em que tive a impressão de estar em Brasília (DF) estando em Washington, DC.

Por Fabíola Góis — Jamais vou me esquecer do dia em que tive a impressão de estar em Brasília (DF) estando em Washington, DC. Era primavera de 2021, quando as cerejeiras teimavam em arrancar sorrisos dos rostos mais sisudos – é visível a diferença de semblante durante a transição das estações. As duas capitais têm muitas semelhanças. As ruas têm números e letras, são cidades planas, com projeto urbanístico planejado e abrigam o Governo Federal, as representações diplomáticas e organismos internacionais.

Há uma intensa vida noturna em Washington, DC, com uma mistura de cultura local e influências internacionais, cada vez mais latinas. Nos bairros históricos, como Georgetown e Adams Morgan, os sons do jazz e do blues dão um toque especial às noites geladas. O Bossa é reduto de latinos, com aulas de salsa e, muito de vez em quando, um samba para acalentar o coração dos brasileiros. Em Chinatown, o bairro chinês, as opções são tantas que fica difícil escolher. Preferia o Crimson, uma whisqueria onde costumava ir com colegas da Georgetown University uma vez por mês.

Os rooftops oferecem vistas deslumbrantes da cidade iluminada, enquanto pubs com música ao vivo atraem os mais solitários em busca de entretenimento. Sim, a capital americana é a mais solitária de todas, segundo pesquisas recentes. Metade de seus moradores mora sozinha. Os restaurantes fecham às 22h. E lá não é como o Brasil, em que sempre conseguimos uma saideira ou alguma coisa da cozinha mesmo depois do horário estipulado. Uma vez pedi uma sobremesa às 22h01 e não fui atendida.

Também há uma intensa vida noturna em Brasília, DF. De shows de rock no Mané Garrincha a chorinho grátis no Eixão, a capital do Brasil é diversa, culturalmente muito rica e vibrante. O Clube do Choro é reduto de músicos habilidosos, o Calaf ainda promove samba de qualidade e o Conic se transformou em celeiro de festas alternativas. Os bares/restaurantes encerram as atividades quando o último cliente decide ir embora.

Mas se tem uma coisa que diferencia as duas capitais é alegria. Na minha visão brasileira, o americano mais abastado não sabe aproveitar seu poder aquisitivo. Falta entusiasmo, um quê de irresponsabilidade e um sangue latino para expressar emoções. Sabe aquela esticada na noite que acaba na casa de alguém? Pois é, não existe isso. Quantas vezes saí de baladas em Brasília diretamente para apartamentos no Plano Piloto que nem sabia quem era o dono? E as noites em que ouvia Renato Russo bebendo e cantando de madrugada no banco da praça onde morava na 303 Sul? Isso não existe em DC. Não pode beber na rua e nem cantar alto para não incomodar os outros. No entanto, fumar maconha é liberado. Falta barulho, falta gente na rua, falta brasilidade.

Troquei Washington, DC por Brasília, definitivamente, neste abril. Sentirei saudades dos amigos que fiz, da florada das cerejeiras e da organização da cidade. Mas ganho de volta a florada dos ipês, o céu mais bonito do Brasil e alegria de viver em uma capital acolhedora, onde os sorrisos são genuínos e a vida noturna é uma celebração contínua. Não subestimem a qualidade artística da capital brasileira. Se há algo que a cultura de Brasília promove é alegria e vivacidade, ingredientes essenciais para uma vida verdadeiramente plena.

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