Crítica

Cantar era buscar o caminho: confira crítica do longa sobre o Clube da Esquina

Uma fonte eterna de amizade e de criações habita o longa Nada será como antes, assinado por Ana Rieper e que está em cartaz

Crítica // Nada será como antes: a música do Clube da Esquina  ★ ★ ★

"Sei que nada será como antes, amanhã", diz a letra da música que embala o longa documental de Ana Rieper capitaneado por figuras como Milton Nascimento, Lô Borges e Beto Guedes. E, uma vez que o tal amanhã chegou, é tempo de revisões e de celebração das conquistas dos músicos que integraram o Clube da Esquina. Os laços estabelecidos por cantores, compositores e instrumentistas brotaram diante de espontaneidade e mesmo das limitações financeiras dos rapazes que não tinham, em Minas Gerais, acesso às festas no badalado clube Oásis. A festa deles era nos encontros musicais, no meio da rua. Sem espetacularizar ou exagerar no traçado, o filme de Ana Rieper trata da base da empolgação dos músicos inspirados pela "lua", na famosa esquina mineira.

A sensação de pertencimento e de acolhida de todos está impressa num dos registros de Milton Nascimento, que ouviu do muito jovem Lô Borges que "ele e a turma dele turma não gostavam" de Lô. Completo engano, e tão redonda mentira que se igualava ao desgosto da descoberta de Papai Noel não existir (como atesta Lô). O momento deste rito de passagem é alimentado por frescos relatos dos escambos juvenis, em que um patinete poderia ser trocado por uma coleção de moedas e pelo nervosismo das criações instantâneas (de músicas) anotadas, por afoitos compositores, com caderno e caneta a postos.

Imagens de outra época (e de diferentes fontes) dão apoio para a eficiente direção de fotografia de Jacques Cheuiche, funcional e agitada (como o palpitar captado pelos relatos coletivos, e sempre atropelados por um ou outro detalhe pitoresco). Passeatas e adesão ao movimento estudantil, junto à influência despertada pelo cinema, geram a liga narrativa, mas, que, a bem da verdade, acopla (e repassa) um sentimento afetuoso. Envolvida pelo incerto, e pelo desconhecimento do futuro, a turma focalizada no documentário conta dos meninos que viravam homens, e, nisso, os homens (do momento atual) não se desapegam dos meninos que foram: com largo sorriso, relatam das monumentais voltas dadas para acessar salas de cinema, sem pagar ingresso.

Wagner Tiso, numa intervenção esclarecedora, fala do gosto seresteiro (disseminado pelo grupo), com algo de pontuação cigana. Entre belo desfilar de canções (com direito a Um girassol da cor de seu cabelo), o repertório maior está nas rodas de conversas que tocam Beatles, jazz, choro, notas tiradas de ouvido (com precisão) e sensações de comunhão, além, claro, da admiração mútua entre todos os sócios do tradicional clube.

 

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