Cinema

Cumplicidade comovente: documentário traz novos paradigmas para autista

Documentário registra o diálogo entre o cineasta e compositor André Luiz Oliveira e um menino autista, possível graças ao poder da música

Cena de Meu amigo Lorenzo, novo filme de André Luiz Oliveira -  (crédito: André Luiz Oliveira)
Cena de Meu amigo Lorenzo, novo filme de André Luiz Oliveira - (crédito: André Luiz Oliveira)

Crítica // Meu amigo Lorenzo ★ ★ ★ ★

Uma jam session, iniciada sem destino ou porto seguro: assim é o novo documentário de André Luiz Oliveira, Meu amigo Lorenzo. O agitado Lorenzo Barreto é como um sol, destacado por ser o primeiro aluno com autismo de Clarisse Prestes, formada em musicoterapia. O mesmo indicativo de "supernovidade", detectado ao despontar nos braços da mãe, Áurea Daia, recobre o jovem que cresce, ano a ano, em frente às câmeras, numa jornada cujo pontapé mostra a celebração dos seus 18 anos. Atividades corriqueiras e incessantes cercam o jovem protagonista, um dínamo, quando está na sala de música ou mesmo estúdio, numa espécie de paraíso musical instalado por Clarisse e André Luiz, a distância do centro urbano.

Com conhecimentos concentrados em repertório restritivo e ancorado na repetição; em geral, confortável na solidão e com a marca do sistemático "sorrisão" (como diz Áurea), Lorenzo abre as portas para uma interação claudicante. O entusiasmo da Clarisse, com a qualidade do potencial de Lorenzo, traz parelha de sintonia com a natural disposição de André Luiz em se aproximar do jovem de diferenciada apreciação musical. Numa espontânea integração com Lorenzo, há um trecho de música do filme que saúda o "pensamento já liberto", perfeito ao aprendizado sem cartilha determinante ou imposta ao rapaz. Apenas, e tão somente, nos hiatos de comunicação, há algo do músico que se assemelha a David Helfgot (focalizado no vencedor do Oscar Shine). O processo do belo desenvolvimento de Lorenzo, que enfrenta ecolalia, vem entre melodias, xilofone, mantras indianos, berimbau, tambores, pandeiro, sanfona e violão. Instrumento ainda mais afinado está na humana disposição de Clarissa, ciosa do entrosamento com o eterno pupilo.

Mas, no filme, o discurso predominante é o de nada ser muito sobre si: cai nas graças mesmo são os olhares sobre o outro, e desprovidos de conceitos e idealizações. Sem regramento, o conceito do filme embarca nas descobertas instantâneas do casal que traz o privilégio da convivência com o sensível rapaz, capacitado a gerar momentos divertidos, como na hora em que encena estar pensando ou mesmo quando tem acelerado retrato de sua rotina com o diretor de cinema.

Dotado de ângulos pontiagudos (e desestudados), o filme encampa diálogo direto com a natureza sensorial de Lorenzo. Grosso modo, o conteúdo do filme parece ter a maleabilidade de um bumerangue lançado, sem a certeza de seu regresso. Num terreno novo, os realizadores descobrem raízes da consciência de Lorenzo. Por meio de estímulos constantes, alcançam a graça da disciplina e de injetar satisfação no aspirante a músico. Entre expectativas de um show no Clube do Choro, no Teatro Nacional ou no CCBB (todos lugares citados no filme), o público tateia a oportunidade de presenciar um concerto, com aval de parte da sociedade. Pesa, entretanto, trecho da contramão da letra central de Born to be alive (música usada no filme) — se alguns se empenham "em justificar suas vidas" — o desprendido e vivaz Lorenzo terá real encontro com os espectadores nos cinemas.

 

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postado em 05/04/2024 11:08 / atualizado em 05/04/2024 11:09
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