Por Luís Jorge Natal — Aí a editora me pede assim, de chofre, para escrever uma crônica e publicar no espaço cativo deixado pelo amigo Paulo Pestana. E para complicar, sugere seguir a linha utilizada por ele. Duplamente perplexo — pelo convite e pela linha sugerida — demorei um pouco para responder. Como você está lendo, é porque concordei.
Mas o desafio só aumentava: como substituir, mesmo que eventualmente, o talento incomparável do Pestana? Porém, logo passei a rabiscar algumas ideias e eliminar outras. Não posso escrever sobre música na página que era do maior especialista no assunto que conheci. Eu desafino cantarolando parabéns pra você, não posso falar nada nesse campo. Só para ilustrar, há alguns anos assistimos juntos um show de Sir Paul McCartney no estádio do Botafogo, no Rio de Janeiro. Lá, ele parecia apenas mais um fã do lendário Beatle.
Foi quando a mesma editora do mesmo CB pediu a ele um texto misturando crônica, reportagem e opinião sobre aquela noite. Pensei comigo: - Lascou, ele não anotou nada. Pois bem, no dia seguinte, estava lá impressa no jornal a melhor crônica, reportagem e opinião que já li sobre um show. A memória dele era realmente prodigiosa, somada a uma cultura geral raríssima que proporcionava textos assim, completos, perfeitos. Tinham sutilezas, frases inspiradas (era um grande frasista) e análises perfeitas. E ninguém escrevia uma história contada uma única vez tão bem.
Surpreendia políticos, artistas e amigos reproduzindo e transportando para o papel palavras ouvidas sem anotar ou gravar nada. Devia ter dito não à editora... ainda argumentei que não tenho a capacidade de seguir a linha de quem considero o maior cronista de Brasília. Mas ela ponderou: faça do seu jeito. A confusão mental aumentou, já que topei. Depois de muito matutar sobre o que escrever, me lembrei de outra característica do Paulinho, a capacidade de fazer amigos. São centenas e todos com a certeza individual de que é o melhor amigo dele. Fui tentado a levar a prosa para um espaço que desfrutamos juntos por muitos anos, o bar.
Qualquer um, especialmente o da Baixinha, no Lago Norte. Lá, ele colhia depoimentos, ouvia relatos e conhecia futuros personagens das suas crônicas. Gostava também de provocar seus leitores utilizado expressões inusuais, em latim ou num português de Eça de Queirós. Quem lia era obrigado a recorrer ao velho dicionário ou aos atuais, no Google. Um dos leitores se irritava e reclamava de ter que buscar o sentido e significado dos termos.
Descobriu depois que o Pestana era viciado em palavras cruzadas, lá se abastecia desses novos e velhos termos. Sabia dos bichos todos os femininos, e não fazia forfait. Muitos iam ao bar para lhe contar alguma situação vivida ou sabida. E lá, ele relaxava e exercia seu humor fino, a ironia elegante. A longa amizade fazia do bar ponto de encontro. Nesta semana, o clima lá esteve estranho, o riso era contido, quem muito fala, estava calado. A alegria vai voltar, eu sei, e a conversa continuará a inspirar novas e belas crônicas do Paulinho Pestana. Vão ser publicadas no Correio do Céu.
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