Crítica// Ervas secas ★ ★ ★ ★
Numa carta de amor, o tracejar de um enredo de choro, raiva e vergonha. A pureza e a inocência esfaceladas fazem parte da jornada de Sevim (Ece Bagsi), uma das personagens fundamentais no filme do turco Nuri Bilge Ceylan. Ela pode ter sofrido abuso por parte do professor adulto, Samet (Deniz Celilouglu), acusado de se valer do posto para alcançar grotescas investidas sexuais. Uma exagerada liberdade, portões da escola adentro, favorecem um jogo de imundícies e de poder capaz de eliminar valores éticos.
Aconchego, numa plasticidade de cenas com luz de lamparinas, é trazido pelo calor injetado na glacial localização do enredo de Ceylan: Samet é um invasor de ambiente inóspito no qual não gostaria de estar — não vê a hora de se mudar para Istambul, distanciado do nada desenvolvido cenário que ele habita.
Frio, Samet reclama (sem muito externar) uma posição e uma vida à altura do que visualiza para si. O tamanho de seu egoísmo e de sua inveja está claro no dia a dia passado ao lado de outro colega professor, Kenan (Musab Ekici). Curiosamente, ambos escondem tudo um do outro.
Num filme bastante longo (com andamento levemente incômodo), Nuri Bilge Ceylan consegue imprimir um posicionamento artístico, com plasticidade consonante com a carreira pregressa de fotógrafo. A aparição da pretendente e combativa ativista Nuray (Merve Dizdar, melhor atriz pelo Festival de Cannes) tem tudo para mudar a dinâmica e as pretensões de Samet, especialmente, depois da acirrada discussão vinculada a posicionamentos políticos e a incompleta vocação de ele agir como real cidadão. A abertura nos horizontes e as vivências anormais do inconformado Samet fermentam. Mas, estaria ele disposto a sentir coisas tão fortes e especiais?