Crítica // As 4 filhas de Olfa ★ ★ ★ ★
Uma verdadeira loba, na mesma medida da esculpida no monumento romano, a protagonista do mais novo filme de Kaouther Ben Hania é Olga Hamrouni. Ela está em cena, ao lado das filhas Eya e Tayssir, e, a partir das artimanhas da sétima arte, ela interage com as duas filhas desaparecidas: Rahma e Ghofrane, respectivamente, interpretadas por Nour Karoui e Ichrak Matar. Sim, no documentário (indicado ao Oscar) há encenação. É um teatro que repara erros, propicia perdões e persegue reconsiderações.
Ao exumar traumas, a carismática Olfa ganha a estatura de uma Estamira (vista no filme catarse conduzido pelo brasileiro Marcos Prado). Contraditória, em muitos momentos, ela reluta e se revela contra o fundamentalismo alinhavado na Tunísia (ao norte da África). Num artifício explorado por Eduardo Coutinho, a mesma diretora da ficção O homem que vendeu sua pele (indicada ao Oscar em 2021) joga num campo documental que não apenas reconstitui, mas reconstrói.
Entre avanços e retrocessos experimentados pelo clã de Olfa, há discussão escancarada da possibilidade de injeção de liberdade, junto com fissuras de um passado povoado por abusadores e pela atuação do Estado Islâmico. Discussões sobre burcas, sexualidade e depilação entram na trajetória da revisão de comportamentos e punições (algumas no âmbito doméstico). Para que Olga suplante situações dolorosas, a atriz Hind Sabri chega a substituí-la em algumas cenas. O artifício final alcançado faz lembrar a dramaturgia do iraniano Asghar Farhadi (de O apartamento e A separação). Além de rever fatos, o cinema de Kaouther Ben Hania restaura.
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