Crítica

'O mal que nos habita': um raro e exemplar filme de terror argentino

Um mundo fora de controle retira todas as expectativas da dupla de hermanos que estrela um terror considerado um dos melhores da temporada: O mal que nos habita

Crítica // O mal que nos habita ####

Fora das telas, a origem do intenso filme de terror dirigido por Demián Rugna já foi explicada: o uso de pesticidas e as consequências destas aplicações de veneno mobilizaram o artista para a direção e o roteiro. Na trama, depois do choque de presenciarem as expostas vísceras de um homem, no meio dos pampas argentinos, os irmãos Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jimi (Demián Salomón) empreenderão uma jornada de fugitivos depois que executam um homem moribundo, vítima de possessão. Personagens, ensanguentados e arrastados, reforçam a instabilidade mental da dupla.

"O mal gosta das crianças, e elas gostam da maldade" é uma das frases que fica na cabeça, à medida em que se confirmam os golpes psicológicos e físicos ao qual Pedro e Jimi se veem sujeitados. Pedro é pai, e não demora a perceber a necessidade de resgatar das garras do demônio os filhos Santino (Marcelo Michinaux), a frágil Vicky (Lucrecia Nirón Talazac) e ainda o autista Jair (Emilio Vondanovich). Transtornado, Pedro, que descarta roupas e a maior parte de pertences, cria o inferno para o cotidiano da ex-mulher Sabrina (Virgínia Garófalo, uma apavorante revelação nas telas de cinema). Outra mulher importante no enredo será a religiosa (e algo cética Mirtha) que carrega um instrumento adequado para frear a maldição alastrada no vilarejo em que Sabrina sofrerá o diabo.

Tal qual A bruxa (2015), de Robert Eggers, o descontrole, numa pequena sociedade, vem para confundir e modificar o status daqueles considerados subalternos. Acidentes de carro, pragas liberadas por crianças e a lida com seres com a pele apodrecida colocam à prova os nervos dos espectadores. Cachorros com ações sorrateiras e crianças que zombam de desgraças também não dão alívio.

Além de apelar para o uso da tortura psicológica inserida no cotidiano dos personagens, o filme impressiona, ao fazer apresentar figuras desconjuntadas e tronchas. Como no pesado drama argentino El campo (2011), Demián Rugna preenche descampados e estâncias com um crescente descontrole interno nos habitantes. O melhor exemplo está no estarrecedor episódio de automutilação que reúne, num quadro, um machado, uma cabra e uma mulher fora de controle.

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