Crítica // Ferrari ★ ★ ★
Ex-piloto, Enzo Ferrari (interpretado por Adam Driver) tem uma cena monumental no novo filme de Michael Mann, na qual grita pela paixão mortal junto a carros, desqualifica pessoas nas corridas de carros que aceitem o erro e condena a falta de comprometimento de integrantes da Scuderia Ferrari. Dissimulado ou ferido, ele atravessa os piores momentos, em 1957, quando colhe a ressaca da morte do filho e assimila a dissolução de seu casamento com Laura (a excepcional Penélope Cruz). Lina Lardi (Shailene Woodley) se interpõe entre o casal, já com um filho a tiracolo. Ciumenta e ferida, Laura dispara faíscas pelos olhos. Tido como "uma joia na coroa da Itália", o magnata — que teve momentos da vida impressos em Enzo Ferrari — The man and the machine (base para o roteiro do filme) — impulsiona não apenas o resgate de uma marca, mas manobras e estratégias para se manter no topo, ainda que com todas as crises reinantes.
Em frente ao túmulo do filho, Enzo deixa a confissão, entre vários indícios da própria morte (que só ocorreria em 1988), de que "O seu rosto, filho, eu quero ver". Ressentimentos, desilusões e desgraças tomam a tela inicial do longa, que teve o roteiro criado por Troy Kennedy Martin, de Um golpe à italiana (1969), e Brock Yates, de Um rally muito louco (1984), ambos mortos há muitos anos. Junto com muitos outros enredos, como o do drama do experiente piloto Piero Taruffi (Patrick Dempsey, numa figuração de luxo), quem desponta na tela é o promissor piloto anglo-espanhol Alfonso de Portago, vivido com presença bastante radiante do brasileiro Gabriel Leone (projetado por Eduardo e Mônica).
Ferrari não traz a aura luminosa de Tucker: um homem e seu sonho, feito por Francis Ford Coppola, em 1988, e que exaltou o caráter empreendedor e a vitalidade de Preston Tucker. Entre conselhos do empresário e amigo Giacomo Cuoghi, e decisões de criar uma estrutura para produção de carros em alta escala ou seguir centrado na ala da mera competição automobilística, Enzo vez por outra posa de mártir, mas sabe manipular a imprensa capaz de, a partir de acidentes, o acusar de "gerador de viúvas" ou "assassino". Na busca por uma luz ao fim do túnel, Enzo é encorajado a se associar à Fiat de Gianni Agnelli ou à concorrente Ford.
Curioso é que, no ano em que a Maserati, concorrente da Ferrari (à época dos anos de 1950), vai comemorar 110 anos o filme seja lançado. Omar Orsi, da marca Maserati, por sinal, aparece numa das etapas mais potentes do filme: a disputa pelo circuito da Mille Miglia. Sem ceder muito terreno para o glamour, Michael Mann (de filmes como Colateral e Ali) dosa o melodrama com moldura operística. Ciúmes, fortes imagens de acidentes e ajustes de negociatas financeiras se integram entre temas no filme que quase vê degringolar, no acostamento, o interesse pela arena de carros na disputa pela Fórmula 1. Numa das cenas mais marcantes, o italiano Eugenio Castellotti, recorrente vencedor, tem a morte esquadrinhada. Uma das grandes sacadas de Mann é depurar, em cena de plena missa católica, o afunilamento do padre e dos devotos (que, ao invés de rosários, empunham cronômetros para aferir resultados de uma corrida em curso). No filme, algo sombrio, pesam horrores de acidentes nas pistas, o ato de plantar informações nos jornais e o alento da paternidade.
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