Novamente um acerto do diretor Reinaldo Marcus Green, depois de King Richard (que rendeu o Oscar de melhor ator a Will Smith), One Love leva para a tela muitas facetas de uma figura simbólica que muitos idolatram mas que, bem no fundo, ainda que extremamente admirável, era um ser humano. E, tratado assim, Bob está em cada página do roteiro de Green, feito em parceria com Zach Baylin (Creed III), Terence Winter (O lobo de Wall Street) e Frank E. Flowers.
Claro que, com as expectativas no topo, fãs poderão se frustrar com o torpor dos efeitos de cada sessão de brisa do ícone (e que não são poucos), a criativa quietude com quê naïff e a permanente passividade do cantor e compositor. No longa, o personagem Marley define o reggae como a "música do povo, numa consciência de todos, a partir da união". E isso prevalece na tela. Sem sobressaltos dramáticos (exceto no retrato dos atentados e da tensão experimentada por Marley), o filme abraça uma coerência admirável, no desenvolvimento.
Passado o processo de independência, a Jamaica, em 1976, se mostra uma nação dividida, numa realidade que em nada agradava o mais ilustre dos moradores da favela Trenchtown (em Kingston). O filme apresenta a articulação para o show Smile Jamaica, um ano após a morte do maior ídolo celebrado por Bob Marley, o imperador etíope Haile Selassie, alçado à condição de deus entre os seguidores da crença rastafári. Estradas bloqueadas e as chances de cancelamento do evento, num país convulsionado, não desanimam o homem que teve a paciência de ter gerado mais de uma dezena de filhos e de ter se relacionado com sete mulheres. A mais célebre, e representada no filme, é a cubana Rita (Lashana Lynch, num papel de peso).
Na telona, o ator Kingsley Ben-Adir, na pele de Marley, resplandece toda a magnitude e o carisma do astro da música que conclamou pessoas a se levantarem "pelos direitos" e que assegurou "que tudo ficaria bem". Antes de atingir em cheio um circuito que incluiu Bélgica, Holanda, Alemanha Ocidental, Dinamarca e Suécia, no filme, Bob terá a jornada — encerrada em 1981 com a morte prematura, aos 36 anos — recontada até 1978, quando da efetivação do espetáculo One Love Peace, com o impacto da momentânea união, no palco, dos adversários políticos, o socialista Michael Manley e o homem mais alinhado aos Estados Unidos, Edward Seaga.
Seja na "curtição" descompromissada vista na letra de Jamming ou no visível ego moldado na humildade, Kingsley Ben-Adir cativa em cenas como a que explica o teor de Redemption song, proclamando a paz interna e o perdão no lugar da vingança. Fosse atendendo por Nesta ou Skipper, Marley mantinha firme a propagação pelo ideário do ativista político Marcus Garvey, favorável a um nacionalismo negro, e, no filme, se assume até "menos psicodélico" e "menos pirado" em algumas decisões. Falta ao filme um retrato mais profundo da aliança do astro com os jamaicanos, mas é questão de recorte, uma vez que nem mesmo a trama alcança um dos ápices com Bob se revelando ao Zimbábue, já independente, em 1980, um ano antes da morte dele.
O filme recobre, em especial, o período de criações, em Londres, no exílio em que estruturou o disco Exodus. Momentos embrionários do cantor de War são relembrados em flashbacks. Um bom momento, nisso, é o entoar de Simmer down, ao lado de outros componentes do Wailing Wailers. Junto com cenas com o mentor Mortimer Planno, o criador de Is this love, Three little birds e No woman, no cry tem cenas marcantes com o amigo e empresário Don Taylor (Anthony Welsh) e com a voluntariosa e nada melosa mulher, Rita, "esposa e soldado" (como ela se diz), que parte para Delaware (EUA), diante de muita instabilidade.
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