Inicialmente, tudo poderia convergir para um conto de fadas: numa árdua negociação junto ao pai, a muito jovial Priscilla (Cailee Spaeny, em espectro virginal) recebe o salvo-conduto para, livremente, se relacionar com o chamado Rei do Rock, Elvis Presley (Jacob Elordi). "Criança geniosa", na visão de alguns, Priscilla tinha seus gostos musicais, que contemplavam Bobby Darin e Fabián — mas, claro, se concentravam em Elvis. Ao longo de um romance, estampado na tela até os anos de 1970, quando do divórcio de ambos, Priscilla e Elvis embarcaram em ondas de superação. Tudo esquadrinhado pela etérea ambientação típica de um filme de Sofia Coppola, a mentora da obra.
Versada no registro de personagens anestesiados e reprimidos, quase que sempre associados ao "alto" da burguesia, Sofia não faz diferente. Intocáveis ou objetificadas pelos desejos, há um quê de Maria Antonieta (2006) e de (As) virgens suicidas (1999), ou mesmo dos imaturos protagonistas de O estranho que nós amamos (2017) e Um lugar qualquer (2010). No fundo, Priscilla, a mostrada no filme, era pouco mais do que uma bonequinha de luxo. Pouco a pouco, Elvis desponta como alguém agressivo, controlador e exigente. Algo se prenuncia doentio: ele parece brochar, ao que ela insiste em desabrochar, ainda que resguardada, ou mesmo renegada, no âmbito sexual. "Não vamos nos precipitar" era uma constante nos papos de alcova do casal.
Seja pela castidade ou pelo opressivo amor de culto à unanimidade, motivado pela personagem central, e corroborado pelo coadjuvante Elvis (reprimido pelo severo pai e ainda pelo empresário), Sofia Coppola segue discorrendo sobre o controle de desejos (como fez com a juvenil Scarlett Johansson em Encontros e desencontros). A sutileza segue sendo a maior artimanha no expressivo uso da linguagem de cinema. Discretamente, ela recrimina o machismo propalado pelo astro da música que, vez por outra, se mostra ameaçado por celebridades como Marlon Brando, James Dean e John Derek. Ele amputa a carreira da esposa, ao mesmo tempo em que impulsionava seus estudos e sua entorpecente dependência de remédios como Placidyl.
Alvo de gigantes fofocas, o Elvis de intenções nobres cede espaço para o homem nada dócil, dominador e perdido numa sinuca-de-bico associada à dúbia espiritualidade. Previsível, dada a fonte do roteiro — é a própria Priscilla Presley quem produz e conta a história —, o filme dá conta do exame da perda do brilho nos olhos da colegial que presenciou avolumadas traições e sofreu com a pouca autonomia dentro do jogo de controle excessivo que expulsou sua elegância, dentro de um cruel sistema de criação (e morte) de estrelas.