Crítica // Pobres criaturas ##
Um tratado sobre a luxúria, com impecável direção de arte e um fundo de roteiro que contempla rasa filosofia e um alto grau de feminimo para dummies: assim é Pobres criaturas, uma decepção assinada pelo grego Yorgos Lanthimos. Há personagens-cobaias no enredo da obra que adapta a literatura do escocês Alasdair Gray, condicionada ao fantástico e à filosofia. Grosso modo, Emma Stone interpreta Bella, criada numa atmosfera perturbadora moldada por um professor de anatomia (chamado Dog e interpretado por Willem Dafoe). Ela tem por vontade ampliar a visão, desvencilhada da sociedade polida que "destrói a alma".
Numa jornada pessoal, Bella pretende chegar à raiz de sua infelicidade mas, antes, espera "entrar nas águas" e "aquecer o corpo": leia-se desfrutar da lubricidade e colocar no topo os instintos amorais associados à sexualidade. Com uma fotografia vistosa, repleta de paleta de cores exuberantes, a cargo de Robbie Ryan (habitual na filmografia de Noah Baumbach), e uma música irritante composta por Jerskin Fendrix, Pobres criaturas testa, bastante, o espectador.
Quem assina o roteiro é o inexperiente Tony McNamara (de Cruella e ainda do belo A favorita, também de Lanthimos), numa narrativa que trata de temas como a falência da instituição casamento, etarismo e desmedida empatia. Rico em deformidades atribuídas tanto ao personagem de Dafoe quanto aos monstros que habitam o enredo com quê de Frankenstein, o longa perpetua o artifício do antropomorfismo (patente em fitas gregas do cinema de Lanthimos e de diretoras como Athina-Rachel Tsangari), também fluente pelo culto grego a divindades.
O relato de aprisionamento é desgastado desde o princípio do enredo em que Bella foge com Duncan (Mark Ruffalo, bastante cômico) e há muitos elementos grotescos no humor apresentado. Depois da esdrúxula dança da Wandinha, Ruffalo e Stone botam para quebrar numa gozada pista de dança. Dona de comportamento curioso e animalesco, Bella move uma trama em que pesa o valor da compaixão e traços dos pontos baixos nas carreiras de Fellini e Pasolini (ao qual Lanthimos, por vezes, se assemelha).
No campo amoroso de Bella, ainda se destacam os personagens de Christopher Abbott (de O ano mais violento) e Ramy Youssef, enquanto, num paralelo de gramática de cinema, as referências descambam para Ruy Guerra (e o monumental Erêndira, adaptado de Gabriel García Marquez), Joaquim Pedro de Andrade (e o modernista O homem do pau brasil), afora a estranheza de um David Cronenberg (do rico Gêmeos — Mórbida semelhança). Tudo, no entanto, num decalque de menor impacto.
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