Foi pensando nas crianças e na molecagem necessária à infância que o diretor Leonardo Garcia idealizou o espetáculo Hoje, Godot não vem!, em cartaz a partir deste sábado (16/12) na Caixa Cultural. A ideia do diretor era fazer um paralelismo com o clássico de Samuel Beckett e refletir sobre a espera. Encenada pela Cia Caravan Maschera Teatro, a peça coloca em cena duas crianças, na figura de bonecos, que brincam enquanto esperam o tal Godot. "É uma adaptação a partir da fábula e eu quis comparar a ideia da espera por Godot com a espera pela vida adulta", explica Garcia. "As crianças estão esperando crescer, serem adultas. A gente está numa sociedade que cria muita expectativa sobre essas crianças, inclusive para elas crescerem rápido. É uma geração que tem muita ansiedade, são crianças que quase não vivem mais a molecagem da nossa geração."
A espera de Godot é uma metáfora para a chegada da vida adulta, mas não é a única. Durante o processo criativo, Garcia encontrou outras camadas passíveis de serem exploradas na dramaturgia. "As duas crianças estão esperando Godot e, de repente, uma delas aparece com um sapato grande demais. Isso era uma coisa que acontecia. Nossos pais davam sapatos maiores que nossos pés porque a gente crescia muito rápido e perdia muito rápido", conta. A narrativa se desenvolve a partir do desconforto de vestir um sapato inadequado, muito grande e a espera por Godot se dilui na expectativa de crescer, de ser um adulto correto. "O que é um absurdo, porque é uma sociedade que está exigindo isso de uma criança", lamenta Garcia.
O diretor espera passar a mensagem de que é possível escolher os sapatos e crescer num ritmo próprio, não imposto pelas cobranças sociais. "Eu quis tentar trazer essas questões tão existenciais que a gente tem como adulto para as crianças desenvolverem. O imaginário das crianças é muito requisitado", explica. Além de um texto poético, sensível e imagético, a encenação com bonecos inspirados na obra do artista belga René Magritte remete a técnicas de animação, com jogos de luz e música que criam um imaginário para além da lógica. "Toda a dramaturgia e encenação estão nesse mundo enigmático, surreal, onde o tempo não existe", avisa o diretor.