Muito premiado no último Festival do Rio, e estrelado pela brasiliense Maeve Jinkings e por Kauan Alvarenga, o filme Pedágio rodou o mundo antes da estreia nas salas comerciais. Trata de afeto, desencontros e rejeições condicionadas ao amor, isso a partir do dia a dia de Tiquinho (Kauan) que, na relação com a mãe, Suellen (Maeve), encontra um portal para a pretensa cura de sua sexualidade. "Muitos dizem que a relação parece real e comovente", conta Maeve.
Liberdade e naturalidade, no set, contrastam com a história de ampla opressão e hipocrisia, e que envolve a personagem religiosa Telma (Aline Maria Marta). Diante de tantas questões, o mundo deveria mudar? "Acho que sim, aliás, com certeza. Não sei se vai mudar e em qual velocidade: essa é a pergunta que o filme mais levanta, sem romantizar nada. É importante enxergar os fatos. A arte não pode ser tímida em relação à realidade", diz Carolina Markovicz, diretora do filme.
Houve forte receptividade internacional para o filme, não?
Carolina — Isso foi interessante e surpreendente, já que na estética é muito brasileiro, nos acontecimento e nos absurdos também. Ficamos felizes de ver como o filme vem sendo compreendido e apreciado fora. Recebemos prêmios muito importantes na Itália e na Inglaterra. E os atores ganharam prêmios na Suécia. Sociedades muito diferentes da nossa percebem questões que, ao mesmo tempo, parecem universais. Tocamos pessoas de lugares como a França, onde também ganhamos um prêmio importante.
Quais as suas inspirações na carreira?
Maeve — No cinema brasileiro, tenho certeza de ter assistido, por exemplo, a Fernanda Torres fazendo Marvada a carne (1985), ver Marcélia Cartaxo em A hora da estrela (1985), vi Dina Sfat, em Macunaíma (1969). Artistas que me inspiraram muito: ainda a Betty Faria em, Bye Bye Brasil (1980). O cinema brasileiro que eu consumi, desde pequena com meus pais, sempre me provocou.
O filme tem lá a sua dose de ironia, seus deboches, mas há a camada da abordagem da chamada "cura gay"?
Carolina — Não queríamos trazer a violência física e emocional que acontecem nesses rituais, que são horrores. A gente não queria mostrar ninguém na comunidade sofrendo esse tipo de violência. A ideia era focar no absurdo, no ridículo de pessoas que têm o poder — que a gente vê tão frequentemente na política — falando um monte de absurdidades na Câmara, falando sinônimo de órgão genital, de modo desrespeitoso: essas pessoas têm poder, elas têm crédito!? Queríamos botar um holofote de como elas não caem em descrédito. Ouvimos muitas pesquisas, falei com pessoas que foram a cultos e igrejas. Tratamos, no filme, das coisas reais e das inventadas. A ideia foi justo transitar na fronteira entre o real e o absurdo, hoje em dia, quase tão imperceptível.
Você se assusta com o objeto do filme?
Maeve — Tem muita coisa naturalizada. Há os espetáculos bizarros vistos, cotidianamente, inclusive na Câmara, no Congresso, nas redes sociais. Há uma performação, um tipo de entretenimento tosco que ridiculariza a comunidade LGBTQIA. Como se, coletivamente, a gente vivesse, como nação, um discurso homofóbico de tentativa de conversão através desses espetáculos bizarros.