Em seu artigo O amor atrapalha o sexo, de 2002, transformado por Rita Lee em uma canção chamada Amor e sexo, em 2003, Arnaldo Jabor diz que amor é bossa nova e sexo é carnaval. O texto de Eu te amo, lançado como filme em 1981, do mesmo autor, mostra que, na realidade, as duas coisas se misturam de uma forma inevitavelmente complexa e saborosa. Basta observar o longa metragem, trabalhado com um tom erótico, mas envolto pela poesia de Chico Buarque na canção homônima que embala a história.
Para Jabor, amor é prosa e sexo é poesia, mas ele próprio se contradiz quando mescla as linguagens em sua narrativa romântica, sensual e com diversas camadas humanas. Escrito há mais de 40 anos, o texto traduz uma angústia social marcada pela época da criação, mas visionariamente atual. A maior prova é que a releitura feita para o teatro, capitaneada pelo finado criador, mantém a essência contemporânea do enredo, com pequenos ajustes temporais.
De acordo com uma das responsáveis pela adaptação da obra para os palcos, a sensível e atenta Rosane Svartman (autora de Vai na fé, da Globo), o coração do texto permanece atual, com retoques em apenas algumas frases que ficaram anacrônicas. "O Jabor deu liberdade para a atualização do texto, mas cerca de 90% não sofreu mudanças. A gente conseguiu manter o frescor de uma obra que falou de acordo com o tempo em que foi concebida", garante ela, que divide a concepção com Lírio Ferreira.
Encontro modernizado
A dupla compartilha a direção com Leo Gama. Na história, um casal se aproxima fingindo que são outras pessoas. Nesta formatação teatral, o encontro entre os personagens se dá por meio de um aplicativo de relacionamento, uma ferramenta que moderniza a narrativa ao passo em que mostra como segue atual a premissa de indivíduos que fingem ser o que não são. O interessante é observar que, embora seja um tema polêmico e politicamente incorreto, o machismo estrutural tão presente na sociedade e visto como comum em décadas passadas não sofreu censura na adaptação. Ainda que demonstrando incômodo, amenizado por um contexto mais nostálgico.
"A montagem era mais densa, mais pesada, mas trouxemos uma leveza, uma possibilidade de rir de si mesmo. Tentamos buscar uma desconstrução dessa masculinidade tóxica, fazendo com que o personagem se torne um pouco boçal", avalia o ator Sérgio Marone, intérprete de Paulo. Para ele, o foco do espetáculo é valorizar o que é robusto em qualquer período, como o amor, o desejo, o tesão e o medo. "O público se identifica, é provocado com boas reflexões pelo humor ácido do Jabor", defende.
Amores líquidos
Produtora e protagonista da peça desde 2010, Juliana Martins conta que a sociedade mudou, então o público chega para assistir com essa leitura diferente. "Hoje, a minha personagem (Maria) reproduz uma fala da versão do cinema, quando ela começa a narrativa dizendo que quer dar para o primeiro babaca que aparecer. Ela fala isso sem ser julgada, mas também sem levantar bandeiras explícitas. É leve", explica a atriz.
Juliana recebeu do próprio Arnaldo Jabor a bênção para levar sua obra-prima aos palcos. E nos brinda com esse clássico revisitado, nesta sábado (7/10) e domingo (8/10), no Teatro Unip. "Estamos vivendo uma época efêmera, de amores líquidos, onde as pessoas têm inúmeras possibilidades de encontros via aplicativos e muitas vezes não consolidam uma relação afetiva. A peça fala sobre o desejo momentâneo, a falta de amor e a rejeição", finaliza.
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