Artes cênicas

'Joãozinha desviada, uma peça para o meu pai' estreia na Casa os Quatro

Espetáculo Joãozinha desviada propõe reflexões provocadoras sobre masculinidade, relações familiares e imagem social

Em 23 de setembro de 2022, um fato mudou a vida do ator brasiliense João Ricken. Ele estava morando em Salvador e trabalhando temporariamente em São Paulo, quando recebeu a notícia de que havia perdido o pai, Juracy, com quem não tinha uma boa relação. A partir deste fato, o espetáculo Joãozinha desviada, uma peça para o meu pai começa uma discussão que toca muito mais do que as nuances familiares peculiares a ele. A obra tem três apresentações especiais na Casa dos Quatro hoje, amanhã e domingo, com ingressos ainda disponíveis na plataforma Sympla.

João tinha o embrião da peça desde a pandemia. Hoje trabalha o espetáculo no mestrado em artes cênicas que cursa na Universidade Federal da Bahia (UFBA). "Só depois que meu pai faleceu, me dei conta de que eu já vinha tentando conversar com ele por meio da minha arte há algum tempo. Foi assim que nasceu Joãozinha desviada", conta o ator. "Eu não pude me despedir do meu pai. Nós tínhamos dificuldade em sustentar uma conversa sem que isso resultasse em briga e, quando ele faleceu, nós não nos falávamos há um ano", lembra.

A peça está dedicada para o pai não só em nome, mas em data também. "Especificamente, neste fim de semana de 22, 23 e 24 de setembro, é importante para mim estar no teatro com este espetáculo porque é o fim de semana que marca um ano do dia do falecimento do meu pai. Nunca fui religioso, mas encontrei no teatro o meu espaço de ritual. É por isso que escolho celebrar com teatro a vida de Juracy Lopes de Barros, meu pai", avisa o artista.

A proposta do ator vai além da experiência pessoal. "O assunto 'pai', assim como o assunto 'masculinidade', me parece estar ligado a feridas sociais; desafios que várias pessoas passam em diferentes níveis/recortes, mas que possuem raízes parecidas: o patriarcado, o machismo, a misoginia, a homofobia, a transfobia", analisa. Porém ele não classifica os assuntos que trata como necessariamente universais. "Acho difícil usar a palavra 'universal' porque cada pessoa vive a experiência do luto de uma forma diferente, da mesma forma que os recortes de gênero e sexualidade (igualmente abordados na peça) também dizem respeito a experiências muito subjetivas de cada indivíduo", complementa.

O espetáculo reflete sobre os desvios da vida de João que podem estar presentes na trajetória de qualquer indivíduo. "Fiz essa peça pensando em como poderia ter sido mais harmoniosa nossa relação se não existissem 'armários' no mundo", acredita Ricken. "A peça é 'para meu pai' mas não é sobre ele, nem somente sobre a minha relação com ele. Discuto luto, masculinidade e vivências LGBTQIAPN ", acrescenta o artista, que escreveu, dirige e atua sozinho em cena.

A exposição é grande. "Sinto-me mais despido do que na primeira vez que tirei a roupa em cena", confidencia João. "Paradoxalmente, por esse mesmo motivo, me sinto livre para ser o mais absolutamente honesto possível, o que no começo é assustador, mas que no final das contas torna tudo mais leve para mim na hora de me colocar diante do público", contrapõe. No final, a forma que encontrou para lidar com as próprias questões tem alterado a vida de quem assiste, visto que a peça já foi apresentada em Brasília e Salvador. "Comecei a perceber (ou a confirmar minha suspeita) que existem várias pessoas que se sentem 'desviadas da norma', precisando falar sobre o tema 'pai'"

Serviço

Joãozinha desviada, uma peça para o meu pai

Hoje, amanhã e domingo na Casa dos Quatro (708 norte). às 20h. Ingressos custam R$ 20 (meia) e estão disponíveis na plataforma Sympla. Pessoas transsexuais tem direito a entrada gratuita pela lista T, é necessário entrar em contato via Instagram pelo @truvacao ou @joao_ricken. Não indicado para menores de 18 anos.

 


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