Há recantos da história do Brasil que hoje já não podem ser visitados de olhos vendados, sob o risco de se perder para sempre numa cegueira constrangedora. É o caso da personagem Anna Paes, uma dona de engenho do século 17 que, após ficar viúva, tocou a produção astronômica de açúcar a custo de muito sofrimento alheio. Se a história dessa mulher já foi contada com pompa — com a questão do gênero em evidência — hoje é para o lado de fora da Casa Grande que se olha. É a partir dessa perspectiva que o diretor Marcos Damigo encara a história na peça Babilônia tropical — A nostalgia do açúcar, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) até 27 de agosto.
No palco, Carol Duarte, de A vida invisível de Eurídice Gusmão, interpreta uma atriz que se prepara para viver Anna Paes em uma metalinguagem providencialmente idealizada para trazer à tona as questões da escravização e da violência em torno de um engenho de açúcar no Nordeste do século 17. "Não se pode falar sobre uma dona de engenho sem dizer que era dona de escravos, que a riqueza dela era fruto de uma violência fundante no Brasil", explica Carol. "Essa atriz que interpreto tem uma dificuldade imensa de entender essa mulher, de representar essa mulher. É uma atriz em crise, viciada em açúcar. A gente tenta dar conta do presente falando do passado, ela é bem egocentrada, o estereótipo do que seria essa pessoa que não olha muito para além de si."
O ator Leonardo Ventura faz o diretor que deve colocar em cena a produção sobre a personagem histórica, mas são dois outros personagens que levam ao palco os questionamentos principais da peça. Eles são vividos pela baiana Jamile Cazumbá e pelo angolano Ermi Panzo. "Eles questionam o que está sendo falado ali, o que essas duas figuras estão tentando montar", explica Carol. "Essas personagens se encontram mesmo numa sinuca de bico. Como a gente reconta essa história? Jamile e Ermi começam a trazer referências teóricas dos historiadores que hoje a gente pode ler, porque a história sempre foi contada também pelo outro lado. Por que esses materiais não estavam presentes antes?", questiona Carol.
Serviço
Babilônia Tropical — A Nostalgia do Açúcar
Direção: Marcos Damigo. Com Carol Duarte, Jamile Cazumbá, Ermi Panzo e Leonardo Ventura. Até 27 de agosto, de quinta a sábado, às 19h30, e domingo, às 18h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB —SCES Trecho 02 Lote 22 ). Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15 (meia)
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