Jornalista, programador de filmes diferenciados, crítico de cinema e, claro, cineasta. É como todo este histórico que o pernambucano Kleber Mendonça Filho (autor de filmes como Aquarius e O som ao redor) comanda o documentário Retratos fantasmas, que alcança o circuito exibidor do Brasil e de Portugal, depois de exibições na Austrália e na Alemanha e ainda no Festival de Cannes (França). Há ainda garantia da exibição no Festival de Toronto (Canadá), além das salas norte-americanas. Retratos fantasmas afirma a felicidade dos cinéfilos, e aposta na paixão pelo fazer e pelo consumo de filmes. Mudanças na sociedade e nas construções e demolições de cinemas entram em cena, no mais recente filme do mesmo criador de Bacurau (codirigido por Juliano Dornelles).
Detido no universo formador das experiências culturais de Kleber, o filme explora o cenário do centro do Recife, ao longo de décadas. Realidades analógicas e digitais, exploração da arquitetura, memórias pessoais, ressalto de aspectos comerciais do cinema, registros de verdadeiros templos de cinema, atividade de distribuição de filmes e até as realidades de católicos e evangélicos estão presentes no enredo. Junto com imagens de arquivo que exploram malabarismos e iniciativas ousadas de um jovem Kleber Mendonça em ação, Retratos fantasmas focaliza abordagens que valorizam atividades de camelôs, motoristas e projecionistas de cinema.
Entrevista // Kleber Mendonça Filho, cineasta
Na confecção de Retratos fantasmas, qual foi a maior satisfação?
Eu tive um prazer muito grande de mexer no material de arquivo, porque tinha muita foto do meu arquivo pessoal, muito negativo de filme guardado. Tenho um scanner de muito boa qualidade e uma máquina de digitalização de fita VHS, um vídeo caseiro especial. E a parte mais prazerosa do processo todo feito foi tocar no material, fazer eu mesmo a digitalização, sem mandar para uma empresa. Fiz, fita por fita, porque queria rever esse material e, ao rever, vi o estado dele: no geral, estava muito bom, mesmo passados 30 anos. Tudo estava em perfeito estado porque material analógico é muito resistente e, bem guardado, dura demais. Tive ainda acesso a outros materiais, no Arquivo Público, onde até apareço. Manusei muito material, jornais antigos em coleções arquivadas. Isso me deu uma sensação muito forte de tempo — como se você conseguisse 'pegar no tempo'. Pode parecer um pouco estranho, mas são arquivos muito importantes. Isso me colocou no estado do espírito do filme.
Retratos fantasmas é teu filme mais pessoal?
Noto que já existe uma observação de muita gente sobre isso. Mas eu não vejo, de forma alguma, assim. Acho que todos os filmes que eu fiz até agora foram muito pessoais. Há muita energia pessoal sempre. Nesse, há a coisa de ser falado em primeira pessoa e de eu mostrar aspectos que são da vida real. Mas, nos filmes de ficção, não há tanta diferença. Há muitas verdades pessoais que são respondidas pela ficção, ainda que com o enquadramento, com a maquiagem, com os atores, ou com a a luz de fotografia. No Retratos fantasmas, eu entro no final do filme, e já não sou o mesmo menino adolescente que aparece no início do filme. Ali interpreto um papel, ainda que escrito e discutido para a câmera.
Como você percebe o Cine Brasília, sob a perspectiva do novo filme?
O Cine Brasília faz parte de um grupo de salas que existe no mundo, trabalhando com diversidade e formação de público. São salas cuja principal missão é estabelecer uma colaboração forte com uma ideia de cultura. Inclusive a preços muito abaixo dos praticados pelo mercado. As salas comerciais, em shopping, têm uma tendência de ter uma programação não só comercial mas onde a ideia de diversidade inexiste. O cinema do mundo, em termos gerais, traz programação dominada pelo produto americano de Hollywood, com produtos que têm maior destaque na atração de público. Muitas vezes o cinema passa por uma programação que não necessariamente visa apenas o sucesso de público. Há salas em que se pode ver filmes de acervo e de outros países. O Cine Brasília é um espaço de resistência, um espaço histórico extremamente imponente, com laço arquitetônico do Niemeyer: quando olho para ele, me lembro muito do São Luiz (Pernambuco) e do Odeon (RJ). Ele precisa ser cuidado e trazer garantias de continuidade, com excelentes condições de trabalho.
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