Crítica // O último ônibus ###
O mais novo filme assinado por Gillies MacKinnon (Romance proibido) traz aquele tipo de enredo que praticamente depende apenas de um personagem — aqui, no caso, de um idoso interpretado por um ator quase três décadas mais jovem, mas talentoso a ponto de convencer. Sempre lembrado pelo personagem Pedro Pettigrew (de Harry Potter), o ator em questão é Timothy Spall, capaz de construir um convincente espectro de emoções para o fragilizado e prestativo protagonista Tom Haper.
Considerado melhor ator no festival italiano de Bari, Spall entra para a galeria de tipos idosos com feitos inesquecíveis, como Geraldine Page, em O regresso para Bountiful (1985), no qual esbravejava no retorno ao lar da juventude, e Richard Farsworth, o velho fazendeiro que, numa engenhoca agrícola, atravessava léguas, para rever o adoecido irmão, no clássico Uma história real (1999), de David Lynch. Entre delírios e uma carga de ingenuidade, Tom, neste novo filme, parte da Escócia rumando a Inglaterra. O motivo não convém ressaltar, mas é importante que, por nada, ele abandona uma maleta nesta jornada na qual pretende efetivar a máxima de "encontrar um lugar para chamar de lar".
Contrastando com o último trabalho do compositor Nick Lloyd Webber (filho do icônico Andrew Lloyd Webber, e morto, em março passado), a trilha abraça, sem bom efeito, uma deslocada música moderna. Mas é mal menor. O roteiro de Joe Ainsworth empilha situações que pontuam com dinâmica o excesso de episódios vivenciados pelo aposentado Tom. Entre modestas e boas ações, muitas vezes testemunhadas por jovens ou crianças (num sentido de continuidade), Tom — na rota entre e as localidades de Jon o´Groats e Land´s End — se vê assombrado por duas fases passadas: numa, em companhia da idosa atriz Phillys Logan (vista em Downton Abbey); e noutra, ainda jovem (interpretado por Ben Ewing) e muito encantado por Mary (papel da jovem Natalie Mitson).
Ora, nas ruas, chamado de Matusalém, no roteiro que ainda faz graça com clássicos personagens da sétima arte como o ursinho Paddington e Spartacus, Tom ainda ganha apelidos como Garotão de Sorte e Homem do Mundo. Em nada ranzina, Timothy Spall, em cena, promove a bondade, encadeada por uma determinação. Delicado, o retrato traz momentos de coragem física (como na defesa de uma muçulmana que desvia de assédio de um bêbado) e emocional (na tocante cena do cemitério).
Sem ser piegas, o drama traz momentos de acolhimento (da família enternecida pelo contato com a arte; no caso, defendendo o conteúdo de um musical inspirado em George Bernard Shaw) e de violência desmedida. Experimentado e sapiente, cabe ao veterano de guerra Tom, com imagens intermediadas por celulares, o destino líquido e certo, numa imprevisível e contemporânea Grã-Bretanha.