Foi a partir de duas tragédias que o fotógrafo José Roberto Bassul criou as séries Urbe e O sol só vem depois, reunidas na exposição Toda sombra é um pouco de luz, em cartaz, a partir deste sábado (3/6), na Referência Galeria de Arte e com curadoria de Eder Chiodetto. "Elas começam no campo das percepções trágicas que juntaram, no Brasil, a pandemia e a tragédia política bolsonarista", explica. "Essa circunstância do silêncio que desabou sobre o mundo e, ao mesmo tempo, no Brasil, e essa circunstância obscurantista e fascistóide que atravessamos geraram um campo expressivo", explica o artista.
As séries de fotografias convidam o observador a um cenário distópico, muitas vezes noturno, de skylines distorcidos e embaçados e grandes espaços vazios marcados por ares de abandono. Paisagens desoladas e incompletas se alternam entre sombra e luz em uma iconografia que tem Brasília como referências, mas não só. "Nós atravessamos túneis de desencanto, de perdas e de medos que nos levaram, de certa maneira, a uma busca por frestas, pela luz. E parte da ontologia fotográfica é construída com esses dois elementos, a sombra e a luz. Me vi utilizando meios expressivos que, de certa maneira, tinha a ver com essa dicotomia simbólica entre a sombra e a luz", conta o fotógrafo.
Parte do tom distópico das imagens, Bassul admite ter herdado de referências literárias e cinematográficas, que foram combinadas a técnicas utilizadas, principalmente, em processos analógicos, como embaçar a lente com materiais pastosos. Durante caminhadas, mas também da janela do próprio apartamento, em uma superquadra, o fotógrafo criou boa parte das imagens. "Ficou muito forte pra mim encontrar esses espaços, quadras de esporte, praças, ruas sempre vazios. E esse vazio adquiriu um pouco o simbolismo do desencanto, da espera, que tem dois sentidos: o temporal e um mais radical, da esperança", diz o artista e arquiteto, que tomou da música A ordem natural das coisas, de Emicida, o título de um dos ensaios.
O rap fala de uma merendeira a caminho do trabalho, antes de o sol nascer, e lembra o cotidiano de milhões de trabalhadores brasileiros. "Esse refrão bateu muito forte, é uma crítica social, mas carregada de lirismo", lembra o fotógrafo. "A letra vai ligando essa ideia de dificuldade com circunstâncias de afeto, sempre com a perspectiva de um pouco de luz, de se encontrar um sol."
Além da exposição de Bassul, a Referência faz também uma coletiva com artistas do acervo que tiveram obras selecionadas pelo curador Paulo Herkenhoff para o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Fazem parte dessa exposição os artistas Alessandra França, Galeno, Gê Orthof, Léo Tavares, Patrícia Bagniewski, R.Godá e Rogério Ghomes.
Toda sombra é um pouco de luz
De José Roberto Bassul. Abertura neste sábado (3/6), às 16h, na Referência Galeria de Arte (CLN 202 Bloco B Loja 11, Subsolo). Visitação até 22 de julho, de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e sábado, das 10h às 15h.