Crítica // Sergio Leone — O italiano que inventou a América ####
Ricardo Daehn
Morto aos 60 anos, e isso há quase quatro décadas, um diretor segue resplandescente quando se trata de gênero no cinema: Sergio Leone. Antes de refinar as filmagens, por 11 meses, do derradeiro e clássico longa Era uma vez na América, Leone já pairava como o mito criador do gênero western spaghetti, capaz de impulsionar a carreira de Clint Eastwood e surpreender astros da estatura de Henry Fonda e Eli Wallach. Dentro da programação deste fim de semana do festival que, na décima edição, celebra 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, há entre 28 sessões (no Espaço Itaú de Cinema), o documentário Sergio Leone — O italiano que inventou a América (de Francesco Zippel).
Com uma presença, entre Buda e Orson Welles, como defende o produtor Arnon Milchan, Leone, no documentário, ganha a admiração de mestres como Steven Spielberg, Martin Scorsese (sempre "desnorteado" pela capacidade do colega, tão harmônico quanto John Ford) e Quentin Tarantino. Damien Chazelle (de La la land) comparece para atestar o frescor, enquanto Scorsese ratifica o modernismo daquele tipo de cinema que rendeu filmes como Por um punhado de dólares (1964) Três homens em conflito (1966) e Era uma vez no Oeste (1968), e Tarantino sublinha o eterno fator surpresa do cineasta.
No mapeamento das recordações sentimentais, entre os depoimentos, há quem atente para o "cinema mudo" com música estruturado por Leone que revestia com elementos extra-roteiro cada complexo personagem criado, outros atentam para o inspirador cinema de Akira Kurosawa do qual ele se apropriava. Debates sobre o contraponto da ingenuidade e pureza (do diretor) em confronto com a verve brutal de seu cinema se completam por exauridas análises da abertura dos filmes dele, da tensão e do (proposital) registro de instabilidade no andamento das aventuras que criava e sorveu o poderoso fascínio das trilhas de Ennio Morricone.
Com narrativa assemelhada à ópera, o cinema de Leone empregava gênios da sonoplastia clássica, um épico aparato técnico, além de se valer dos talentos, no roteiro, de Bernardo Bertolucci e Dario Argento. Entre explosões monumentais e uma precisão na gradação de sentimentos, no documentário, Leone ainda se impõem como um amoroso pai e marido.
Entrevista // Francesco Zippel, diretor
Como Leone acolheu as personagens femininas nos westerns?
Muitos dizem que ele não se atinha a figuras femininas nos filmes dele, mas há Once e America, e ambos trazem personagens femininos maravilhosos. Ele demonstrou imenso amor pelas personagens de Claudia Cardinale e Elizabeth McGovern. Há um sinal da grandiosidade dele na atenção em que deu a duas de suas melhores personagens: uma, de Cardinale e outra, de Jenniffer Connely.
Qual foi o potencial dos créditos iniciais dos filmes de Leone?
Eram aberturas fortes e de altíssima qualidade, especialmente nos westerns. Graficamente, ele revolucionou. Ele convencia astros a participar de filmes, tão somente diante do conhecimento deste conteúdo (dos créditos). Entre 20 títulos dos filmes de heróis, no trabalho dos créditos iniciais, há um que emprega criatividade. Os super-orçamentos fazem par à superficialidade.
Qual o âmbito da colaboração de Leone com o compositor Ennio Morricone?
Eles eram almas gêmeas. Eles desenvolveram toda a criatividade em momentos específicos. Eles compreenderam que, juntos, poderiam dar início a uma real revolução. Eram incríveis e únicos. E você não consegue conceber a dimensão dos talentos deles, isolados.
Até um crítico ferrenho como Pasolini relevou posicionamentos políticos de Leone, não?
Pasolini não poderia ser mais distinto do que Leone. Pasolini era o mais profundo e inteligente crítico na nossa sociedade no século 20 e ele sabia o quão assertivo Leone era em capturar o interesse do público. Em uma dada escala, Pasolini teve até um talento à la Leone, ao fazer O Evangelho segundo Mateus (1964), o mais revolucionário filme religioso já feito.
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