Crítica // EO ###
A vida, à deriva das vontades próprias, dá o colorido único do longa EO, comandado pelo experiente cineasta polonês Jerzy Skolimowski, há mais de 60 anos um operário da sétima arte que já trabalhou com diretores exigentes como Andrzej Wajda e Polanski. Vale sempre a ressalva de que, em se tratando de Skolimowski, o imprevisível invade a cena. Com Estranho poder de matar (1978), ele investiu nas camadas de terror, numa trama passada em hospital psiquiátrico no qual, por meio de gritos, um homem pode assassinar. Em Ato final (1970), estava no cerne a paixão carnal não-correspondida de um jovem muito inexperiente.
EO, que venceu o Prêmio do Júri, no Festival de Cannes 2022, empatado com o belga As oito montanhas, trata de um protagonista inesperado: um asno saído do circo, com destino pra lá de incerto. Como já admitiu, Skolimowski se empenhou em celebrar o cinema do francês Robert Bresson, exaltado pelo clássico (e depressivo) Balthazar, feito em 1966, consagrando o cotidiano de um burro de carga.
Produção integrada pela ponte Polônia-Itália, EO se apropria, em parte, dos moldes de um conto de fadas. Há Lorenzo Zurzolo, na pele de Vito, enteado de uma personagem aristocrática (numa breve participação de Isabelle Huppert) — mas isso é apenas uma etapa das andanças de EO, no roteiro coescrito por Ewa Piakowska e Skolimowski.
Inocente, o burrico é sensível, tal qual o diretor de fotografia do filme, hábil em cenas de alto valor estético (como da alegria do bichano com o surgimento de um muffin de cenoura). Azarão às voltas de um time de futebol ou mascote de valor inestimável, o animal que gera desde discussões sobre a tortura de animais em circos ganha no filme ao menos uma cena de proporção épica. É quando, num fundo vermelho, remonta aos primórdios do cinema, numa releitura do zoopraxiscópio usado no século 19.
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