Crítica

A bela comédia 'Campeões' revela aprendizados da humildade

Numa mescla de comédia e drama, o filme dirigido pelo norte-americano Bobby Farrelly conta a história do treinador de um time de basquete

Crítica // Campeões ###

O filme Campeões, que, na essência mistura comédia, superação e drama, parte de inusitadas origens: foi o diretor espanhol Javier Fesser, indicado ao Oscar por um curta-metragem e criador da animação de enorme repercussão, Mortadelo e Salaminho, quem comandou um filme de 2018, no qual o atual longa estrelado por Woody Harrelson é baseado. Mais curioso de todo o processo é que o projeto demarca uma espécie de redenção para o cineasta Bobby Farrelly que, no passado, assinou comédias de gosto duvidoso para o público contemporâneo, vide Débi & Lóide: Dois idiotas em apuros (feito há quase 30 anos) e as produções ácidas O amor é cego e Ligado em você (filmes dos anos 2000). Campeões aposta no riso com a diversidade e, nunca, dela. Na trilha sonora, acerta, ao usar clássicos como Escape e Unbelievable.

Há toda uma construção, até o desembocar da trama nas Olimpíadas Especiais, a serem disputadas em Winnipeg (Canadá). Quem estrela o filme é o muitas vezes carismático Woody Harrelson (da série Os encanadores da Casa Branca), à frente de Marcus. De passagem pelo time Iowa Stallions, Marcus detecta um possível sucesso nos bastidores desse time de basquete, como acesso a almejada NBA, ele, como treinador, idealiza. Num completo desentendimento com o técnico titular, Marcus, como assistente, entra em absoluto descontrole, pela falta de visão estratégica, em quadra, do colega.

Com uma presença bem mais definida do que a vista como integrante da comédia Triângulo da tristeza (finalista do Oscar), Harrelson interpreta um homem que perde parte da liberdade profissional, ao ser enquadrado na realização de serviços comunitários. Pessoas com deficiência mental terão aprendizado esportivo, sob supervisão de Marcus. E, num piscar de olhos, ele dá conta de retirar a palavra "retardado" do vocabulário.

Por absoluta ironia, Marcus deixa o terreno glamouroso do ala profissional para rever suas estratégias de interação social — isso justo ao comandar o time batizado de Amigos. Aos poucos, orientado pelo veterano Julio (Cheech Marin), o protagonista desvenda as singularidades e a capacidade de cada aluno, todos eles com vidas bem ativas. No grupo, há Darius (Joshua Felder), que sofreu lesão cerebral traumática; Johnny (Kevin Iannucci), irmão da independente e fogosa Alex (Kaitlin Olson), que evita chuveiros, por "não acreditar em banhos" e Marlon (Casie Metcalfe), capaz de entender várias línguas.

Num ambiente hostil, Marcus chega a debochadamente se comparar ao clássico personagem Shooter (Dennis Hopper, que, no oitentista Momentos decisivos, viveu um ex-jogador entregue ao alcoolismo). Desde a notável transformação num meme de internet (dada a incapacidade de ver "seres humanos como pessoas", como aponta um dos colegas, até a possibilidade de conquistar amigos, entre pupilos com Síndrome de Down, o vitorioso Marcus ainda terá o privilégio de topar com Cosentino (Madison Tevlin), uma resoluta menina sem muito traquejo social.